Recursos aos Tribunais Superiores

Aqui você vai encontrar:

– Recursos aos Tribunais Superiores

– Principais requisitos processuais

– A PEC da relevância

Recursos aos Tribunais Superiores 

Falamos brevemente no post sobre o contencioso tributário da estrutura do Judiciário e do curso regular de um processo.

Uma parte relevante desse percurso, ao tratarmos de temas tributários, é a dos recursos aos Tribunais Superiores.

As estruturas de Tribunais Superiores, ou Tribunais de Cúpula, variam nos diversos sistemas judiciais pelo mundo, sendo que as funções e atribuições desse tipo de Corte podem ser das mais diversas.

No Brasil, possuímos dois Tribunais Superiores.

O Supremo Tribunal Federal, que representa um dos Poderes da República, e é o órgão judicante máximo no país. Sua principal função jurisdicional é a de analisar recursos e processos nos quais haja discussão de violação da Constituição Federal, ou declaração de inconstitucionalidade de leis federais.

Mas além disso, o STF também atua como órgão político, pois representa o Poder Judiciário frente aos demais Poderes da República, e julga outros temas, como casos que envolvam pessoas com foro privilegiado. As competências desse Tribunal estão elencadas no artigo 102, da Constituição Federal e são as seguintes:

“I – processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993);

b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999);

d) o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;

e) o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território;

f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;

g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;

h) (Revogado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004);

i) o habeas corpusquando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 22, de 1999);

j) a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados;

l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

m) a execução de sentença nas causas de sua competência originária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais;

n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;

o) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal;

p) o pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade;

q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;

r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

II – julgar, em recurso ordinário:

a) o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão;

b) o crime político.

III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição;

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal”.

Composto por 11 Ministros, o STF é frequentemente chamado a se manifestar sobre temas tributários pois, como vimos nos posts sobre tributos e classificação das espécies tributárias, a Constituição de 1988 possui extensa disciplina sobre temas fiscais, incluindo a distribuição de competência tributária para os Entes Federados e garantias e direitos dos contribuintes.

Assim, é muito comum que grandes temas tributários sejam decididos pelo STF, o que muitas vezes ganha um peso político e econômico elevado.

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, foi criado pela Constituição de 1988 e tem a função principal de uniformizar a jurisprudência no país em relação à interpretação da legislação federal.

As funções judicantes desse Tribunal estão listadas no artigo 105, da CF:

“I – processar e julgar, originariamente:

a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;

b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999);

c) os habeas corpus , quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas na alínea “a”, ou quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999);

d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos;

e) as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados;

f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

g) os conflitos de atribuições entre autoridades administrativas e judiciárias da União, ou entre autoridades judiciárias de um Estado e administrativas de outro ou do Distrito Federal, ou entre as deste e da União;

h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal;

i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

II – julgar, em recurso ordinário:

a) os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória;

b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão;

c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País.

III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

Em matéria tributária, a função de julgar recurso especial que trate da violação de tratado ou lei federal, ou der interpretação divergente da que tenha sido dada por outro tribunal são as mais relevantes.

Composto por 33 Ministros, também é comum que grandes temas tributários sejam analisados pelo STJ, tendo em vista que a competência para disciplinar normas gerais de direito tributário (artigo 146, da CF) é da União, por meio de Lei Complementar.

Assim, muitos aspectos de muitos tributos possuem fundamento de validade em uma lei federal, o que permite que, em sua grande maioria, um processo que trate de tais tributos seja levado ao STJ.

Principais requisitos processuais

Em processos “normais”, o acesso aos Tribunais Superiores é feito por meio do recurso extraordinário e do recurso especial.

Frequentemente são chamados de recursos excepcionais, pois a ideia por trás deles é de que as Cortes Superiores deveriam atuar em situações extremas, onde é necessário uniformizar o entendimento dos Tribunais do país ou proteger a Constituição.

Atualmente, vemos que a realidade é outra, porém. Há um grande volume de recursos que aguardam julgamento nesses Tribunais e cotidianamente milhares de recursos são interpostos nesse sentido.

O Direito Tributário é um grande responsável disso, pois, como mencionado acima, uma parte relevante das normas desse ramo do Direito está na própria CF ou possui disciplina em legislação federal. Mas os Tribunais Superiores, como visto acima, possuem também uma séria de outras atribuições e competências jurisdicionais, que também contribuem para o alto volume de casos.

Apesar disso, os recursos extraordinário e especial são, talvez, os recursos com maior número de requisitos processuais para sua interposição, alguns deles previstos na própria Constituição.

Focando no que é relevante para o Direito Tributário, o recurso extraordinário (ou RE, RExtra, Rex etc.) tem suas hipóteses de cabimento previstos no inciso III, do artigo 102, da CF, mencionado acima.

A saber: ele é cabível em “causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal”.

O primeiro requisito, que algumas vezes passa despercebido, é o de ser uma situação “decidida em única ou última instância”. Ou seja, o RE é um último recurso, que somente é cabível após ultrapassadas todas as demais instâncias do Judiciário.

Em segundo lugar, deve haver contradição à Constituição, ou declaração de inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, ou julgar válida uma lei local contraposta à Constituição, ou, ainda, julgar válida lei local em face de lei federal.

A análise de cada hipótese de cabimento e as peculiaridades processuais e jurisprudenciais por trás delas merecem horas de estudo e um aprofundamento no campo do Direito Processual.

Mas no que importa para nossos breves comentários aqui é ressaltar que a ideia por trás do RE é o de ser um recurso que vise a proteção da Constituição Federal, ou o seu correto uso e aplicação, quando ela é invocada para invalidar uma determinada lei.

Um outro relevante requisito foi inserido na CF em 2004, pela Emenda Constitucional 45, que é o da repercussão geral. Este requisito visava, já desde aquela época, estabelecer um filtro adicional dos recursos ao STF, fazendo com que apenas as causas que evidenciem uma relevância geral para a população e que transcenda aos interesses particulares das partes do processo possam ser objeto de julgamento via recurso extraordinário. Nos termos do artigo 1.035, § 1º, do Código de Processo Civil, “será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo”.

Para o recurso especial (ou RESP), os requisitos estão previstos no artigo 105, inciso III, da CF, sendo cabível em “causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal”.

A principal função do STJ, portanto, é de uniformizar o entendimento de determinada matéria federal entre os Tribunais do país, inclusive por meio da demonstração do chamado dissídio jurisprudencial, situação na qual dois Tribunais distintos adotam entendimentos diferentes sobre um mesmo tema.

Como requisitos gerais, para ambos os recursos, devem ser observados os termos dos artigos 1.029 e seguintes do CPC, devendo haver exposição do fato e do direito, a demonstração das hipóteses de cabimento do recurso e a demonstração das razões para reforma da decisão recorrida.

Ainda, por se tratar de Cortes Superiores, cuja função é de uniformização da jurisprudência, entende-se que nos dois recursos não é cabível a chamada reanálise de provas ou fatos. Isto é, a discussão a ser levada para o STF e STJ deve ser exclusivamente de direito.

Além disso, para o cabimento dos dois recursos é importante que haja a demonstração do prequestionamento da matéria recorrida, ou seja, a demonstração de que o tema efetivamente foi analisado e debatido pelo Tribunal de origem, não sendo cabível inovação recursal nessa fase.

Em linhas gerais, esses são os principais aspectos desses dois recursos, mas é sempre importante aprofundar cada um desses requisitos, especialmente em relação ao entendimento dos próprios Tribunais acerca do preenchimento e atendimento de cada um deles.

A PEC da relevância

Um tema que tem sido bastante noticiado recentemente é a aprovação da chamada PEC da relevância, aprovada e promulgada como Emenda Constitucional nº 125/2022.

Essa Emenda alterou o artigo 105 da Constituição, para incluir o § 3º e trazer um novo requisito para o cabimento do recurso especial, muito semelhante com a repercussão geral introduzida em 2004 para o recurso extraordinário.

Segundo tal nova disposição, para que o recurso especial seja julgado pelo STJ, o recorrente “deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento”.

Haverá uma presunção de relevância em casos de ações penais, de improbidade administrativa, de ações com valor de causa superior a 500 salários-mínimos, ações que possam gerar inelegibilidade, de acórdão recorrido que contrarie jurisprudência dominante do STJ e outros casos previstos em Lei.

Essa Emenda ainda deverá ser regulamentada e seus efeitos são incertos.

Alguns veículos de mídia já abordam a preocupação de advogados e professores com tal novo requisito.

De fato, esse será um importante filtro de casos que acessarão o STJ e com certeza terá um efeito redutor do volume de processos a tramitar pela Corte.

Na esfera tributária, não é incomum que haja discussões com valores superiores a 500 salários-mínimos, mas há uma série de outros temas que se mostram relevantes e não necessariamente atingirão tal montante em um processo individual.

Não se pode negar que haverá sim o risco de que importantes temas deixem de ser apreciados pelo STJ e deixem de ter uma uniformização entre os Tribunais, abrindo portas para entendimentos diferentes entre as regiões do país.

Isso cria insegurança e potenciais tratamentos privilegiados, diminuindo a isonomia e potencialmente prejudicando a livre concorrência, especialmente quando estamos falando de temas tributários.

Por outro lado, é claro que a sociedade deseja e merece julgamentos cada vez mais aprofundados e da melhor qualidade técnica possível, o que nem sempre é alcançado com um grande volume de casos.

O equilíbrio é delicado e somente o futuro e a gestão dessa nova ferramenta pelo STJ irão nos dizer o resultado para a evolução jurisprudencial no país.

*Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do KLA Advogados

Felipe Omori

Felipe Omori é advogado em São Paulo, especialista pelo IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários) e mestre pela USP em Direito Econômico, Financeiro e Tributário. É sócio da área Tributária do KLA, responsável pelo contencioso judicial, e professor no curso de especialização em Direito Tributário no IBDT (Instituto Brasileiro de Direito Tributário) e no IBET. Também é autor do livro “Tributação e A Forma do Negócio Jurídico: Uma Proposta para Os Limites da Tributação“ (Ed. Dialética).

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