Aqui você vai encontrar:
– As teses filhotes da exclusão do ICMS
– Exclusão do ISS da base do PIS/COFINS
– Exclusão do PIS/COFINS de suas próprias bases
– Exclusão do ICMS/ISS da base da CPRB
– Exclusão do ICMS/ISS da base do IRPJ/CSLL presumidos
– Outras teses e os cuidados na aplicação da tese
Os filhotes da exclusão do ICMS
A discussão sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, como vimos nos últimos posts, foi efetivamente um marco na histórica do contencioso tributário do país, seja pelo valor envolvido e o grande número de contribuintes afetados, seja pela firme posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, bem como pela atuação de certa forma incomum dos órgãos Fazendários.
Também vimos que essa tese ainda deverá rondar os contribuintes por algum tempo, em razão de seus reflexos, como por exemplo, em relação à discussão acerca do momento do reconhecimento contábil e fiscal do crédito, a tributação sobre o crédito e seus acréscimos de atualização, e dos aspectos documentais para a efetiva comprovação dos créditos pleiteados.
Mas um segundo efeito que surge com essa discussão é a proliferação de outras teses judiciais, que seguem o mesmo raciocínio daquele adotado pelo STF, mas em relação a outros tributos.
É o que se tem chamado de teses filhotes, e que também podem resultar em discussões de alto valor e grande alcance.
Vou falar rapidamente sobre as teses que estão em maior discussão nos Tribunais, sendo sempre aconselhável consultar um advogado para analisar a situação específica da empresa e a posição jurisprudencial do momento (que pode ser muito volátil e não uniforme, como temos visto).
ISS da base do PIS/COFINS
Talvez a segunda tese de maior impacto e que afeta todo o setor de serviços do país, é a discussão sobre a exclusão também do ISS da base de cálculo do PIS e da COFINS.
Embora essa tese não seja exatamente um filho, é praticamente uma irmã da discussão sobre o ICMS, pois já caminha há muitos anos em nossos tribunais e surgiu na mesma época da primeira discussão.
A tese discute, com os mesmos fundamentos, que o ISS não representa uma receita ou faturamento da empresa, mas sim é uma receita destinada ao Município e que legalmente acaba compondo o preço do serviço cobrado.
Aqui há uma peculiaridade, pois o ISS não sofre o destaque em nota fiscal (apesar de alguns municípios exigirem a indicação do valor, e apesar de isso ser uma prática de mercado), como ocorre no ICMS, em que a nota possui inclusive campos próprios para isso. Outro argumento levantado pelo Fisco e por algumas decisões judiciais é o de que o ISS não segue o princípio da não-cumulatividade, o que retiraria a ideia de que esse imposto é repercutido e transferido no preço (fato que reforça o argumento em relação ao ICMS de que ele é um mero trânsito pela contabilidade da empresa).
Na visão dos contribuintes, porém, isso não afasta o fato de que o ISS não configura receita ou faturamento próprios da empresa, sendo destinado diretamente aos Municípios.
Ademais, historicamente a tributação sobre o consumo no Brasil foi dividida entre o IPI, ICMS e ISS (e, em parte, PIS/COFINS), de maneira que, ainda que haja diferentes sistemáticas de cobrança, a natureza constitucional desses tributos é o de onerar o consumo em si, sendo este o verdadeiro contribuinte de fato.
É preciso acompanhar o desfecho dessa outra tese relevante, que está pendente de julgamento pelo STF (tema 118 de repercussão geral) e chegou a ter placar empatado de 4 votos favoráveis e 4 votos desfavoráveis, mas agora terá o julgamento reiniciado, em razão de um pedido de destaque (que retira o caso do plenário virtual e o leva para julgamento no plenário presencial e reinicia toda a votação).
A nova composição da Corte e as relações políticas poderão influenciar no resultado do julgamento.
PIS/COFINS de suas próprias bases
Esta tese sim pode ser considerada uma tese filhote, por ser mais recente, principalmente porque a inclusão do PIS/COFINS na sua própria base de cálculo ficou mais evidente a partir da Lei nº 12.973/2014, que previu que os tributos incidentes sobre a receita se consideram nela incluídos.
O raciocínio aqui é o mesmo, no sentido de que se o STF definiu que um tributo não pode ser considerado incluído no conceito de receita ou faturamento, não pode haver esse cálculo “por dentro” para o PIS/COFINS.
E aqui a similaridade com a tese do ICMS é ainda maior, já que no PIS/COFINS há o regime não-cumulativo, que evidencia a sua repercussão no preço do bem ou serviço, além de também incidirem sobre a receita ou faturamento.
Esta tese também será definida pelo STF (tema 1067 de repercussão geral) em um futuro – espera-se – próximo.
Fato curioso a ser considerado é que na análise sobre a recepção do tema para julgamento ou não (chamada de análise de repercussão geral, em que há um julgamento prévio para decidir se o tema tem alcance nacional que mereça análise pelo STF de forma vinculante), o Ministro Dias Toffoli argumentou que essa tese guardaria grande proximidade com a discussão sobre a exclusão do ICMS da base do PIS/COFINS.
Os valores potencialmente envolvidos também são relevantes, considerando que a alíquota do PIS/COFINS no regime não-cumulativo é de, no mínimo, 9,25%. O potencial da tese, assim, seria de aproximadamente 0,8% sobre a receita total da empresa.
ICMS/ISS da base da CPRB
A Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta (CPRB) surgiu no contexto do Plano Brasil Maior, no governo Dilma, e fazer parte de diversas iniciativas de estímulo econômico, visando principalmente reduzir a tributação sobre folha de salários.
Alguns setores econômicos, assim, no início foram obrigados a adotar esse regime substitutivo, deixando de tributar a folha de salários pela contribuição previdenciária (20%), e passando a tributar a receita bruta (em percentuais variáveis de acordo com o setor).
Ao longo dos anos o regime foi sofrendo alterações, tanto em relação aos setores abrangidos, como em relação às alíquotas, em razão de pleitos setoriais que argumentavam que, em alguns casos, um regime que deveria ser de desoneração acabava resultando em uma carga tributária maior.
Em 2015 o regime foi tornado optativo, podendo a empresa de determinados setores previstos na Lei escolher em qual regime ficariam em cada ano.
A CPRB possui a mesma base de cálculo do PIS/COFINS, a receita bruta. Soluções de Consulta da própria Receita Federal ao longo dos anos inclusive chegaram a mencionar que a apuração e o conceito de receita bruta para a CPRB seriam idênticos aos do PIS/COFINS.
A lógica nos levaria, então, a supor que se o STF entendeu que o ICMS não se inclui na base do PIS/COFINS, por não configurar receita bruta, então a mesma conclusão deveria ser aplicada aos demais tributos que possuam a mesma base de cálculo (receita bruta).
No entanto, surpreendendo a todos, o STF decidiu, em fevereiro de 2021, no tema 1048 de repercussão geral, que a inclusão do ICMS na base da CPRB seria constitucional.
O principal argumento de diferenciação das duas teses foi o de que a CPRB seria um regime optativo, com caráter de benefício fiscal, o que sujeitaria o contribuinte às regras dessa opção.
Esse raciocínio, porém, pode ser criticado por diversas perspectivas.
Em primeiro lugar, a CPRB nem sempre foi opcional e, como mencionado acima, durante o período de adaptação do regime no mercado, muitas empresas se viram obrigadas a arcar com uma carga tributária maior, o que afastaria a alegação de que ele seria um regime necessariamente mais benéfico. Parece-nos que ao menos uma diferenciação entre os períodos de obrigatoriedade e facultatividade da CPRB seria necessária aqui.
Em segundo lugar, é preciso considerar que em nenhum dispositivo que trata da CPRB há a disposição de que o ICMS irá se incluir em sua base de cálculo. Há, simplesmente, a eleição da base de cálculo como sendo a receita bruta, que é um conceito jurídico hoje já bem definido em nosso ordenamento.
Ora, se a Lei fez referência à receita bruta enquanto conceito jurídico e se o STF definiu os limites de tal conceito (entendendo que tributos nele não se incluem), então o fato de o regime ser opcional não deve afastar a necessidade de exclusão do ICMS da base de cálculo.
O terceiro argumento é o de que essa discussão pode ser uma questão de semântica em razão do termo “exclusão”, que daria a entender que a retirada do ICMS seria um benefício, ou seria uma retirada de algo que sempre esteve lá. A tese, porém, discute o que se considera receita bruta, não se tratando de exclusão do ICMS, pois ele nunca a compôs.
Ou seja, pelo raciocínio do STF, ao optar pela CPRB o contribuinte estaria, então, aceitando incluir o ICMS na receita bruta, o que, porém, não faz sentido.
Quando se opta pela CPRB, opta-se por observar o que a Lei menciona, que é a apuração do tributo sobre a receita bruta, na qual o ICMS nunca fez parte.
Enfim, agora os contribuintes aguardam a análise de eventual modulação dos efeitos pelo STF, já que o entendimento anterior dos Tribunais, inclusive seguindo o quanto foi decidido para o ICMS e inclusive com decisão em recurso repetitivo do STJ (tema 994 de repetitivos), era favorável aos contribuintes, sendo que essa decisão do STF claramente altera o cenário jurídico e traz insegurança aos contribuintes.
ICMS/ISS da base do IRPJ/CSLL presumidos
Outro tema filhote e muito similar à tese da CPRB.
O Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (IRPJ e CSLL) possuem um regime opcional para determinados contribuintes elegíveis, que permite a tributação do lucro a partir de um cálculo de presunção desse montante.
Aplicando-se determinados percentuais definidos para diferentes setores econômicos, o contribuinte pode calcular o seu lucro presumido, aplicando essa alíquota sobre a sua receita bruta. O resultado dessa operação, então, será a base de cálculo do IRPJ/CSLL sujeita às alíquotas aplicáveis de cada um deles.
É, de fato, um regime opcional (para contribuintes elegíveis) e é inegavelmente mais simplificado.
Apesar de toda a similaridade da discussão, para esse tema específico o STF vem entendendo que ele não envolve matéria constitucional, havendo apenas ofensa reflexa à Constituição (a exemplo: ARE 1334697 e RE 1203686).
Esse entendimento delega, então, ao STJ a competência para dar a última palavra sobre o assunto, o que poderá acontecer no julgamento do tema de recursos repetitivo 1008, o qual aguarda julgamento.
A 2ª Turma daquele Tribunal, porém, recentemente analisou o tema, e decidiu de forma desfavorável aos contribuintes, também na linha de que o regime optativo afastaria a possibilidade de discussão sobre sua base de cálculo.
Além dos mesmos comentários feitos no item da CPRB, que são igualmente aplicáveis a essa tese, é preciso também considerar que o lucro presumido não necessariamente é um benefício fiscal.
Ele é sim um regime de apuração simplificada, mas que atende tanto ao contribuinte, quanto ao próprio fisco que vê facilitada a fiscalização e a cobrança desses tributos, mesmo em situações em que o contribuinte possa ter apurado prejuízo (isto é, pode haver a tributação pelo IRPJ/CSLL no lucro presumido, já que ele é apurado sobre a receita bruta, ainda que ao final do período o contribuinte não tenha tido lucro).
Afora isso, igualmente deve se considerar que a legislação não determina expressamente a inclusão do ICMS, mas faz referência à receita bruta, cujo conceito foi – repita-se – definido pelo STF.
É preciso acompanhar o desfecho dessa tese no STJ.
Outras teses e os cuidados na aplicação da tese
Além dessas discussões resumidas acima, é possível prever que muitas outras teses surgirão e se desenvolverão nos próximos anos, tais como:
– Exclusão do ISS de sua própria base de cálculo
– Exclusão do PIS/COFINS da base de cálculo do ISS
– Exclusão do FUNRURAL e CPRB da base do PIS/COFINS
– Exclusão do PIS/COFINS da base do FUNRURAL e CPRB
Além das teses de exclusões diretas, as balizas definidas pelo STF no julgamento da exclusão do ICMS da base do PIS/COFINS também dão argumentos retóricos em discussões como a exclusão do IRRF e INSS do empregado da base de cálculo da tributação sobre folha.
Mas é preciso ter cuidado com os limites da tese que foi fixada e dos fundamentos jurídicos fixados pelo STF.
Ao contrário do que muitos comentaram no início, o STF não definiu que tributos não podem incidir sobre outros tributos, mas sim definiu qual o conceito e os limites dos termos receita e faturamento utilizados pela Constituição e reforçou que os institutos e referências feitas por ela devem ser respeitados e observados.
A partir disso, é sim possível utilizar o mesmo raciocínio em outras teses, principalmente nas que envolvam tributos cuja base de cálculo seja a receita bruta ou o faturamento, mas preciso tomar cuidado para não se assumir premissas que não tenham sido estabelecidas pelo STF.
Ademais, é preciso considerar o peso político e econômico dessas discussões, que pode afetar os caminhos que os Tribunais adotarão, principalmente se houver uma proliferação de teses que não possuam fundamento jurídico sólido, gerando uma reatividade automática dos julgadores.
Também é preciso considerar alterações de composição e mesmo argumentos de ordem não jurídica, como vimos no caso da CPRB, que podem afetar a solução a ser dada para tais teses.
É inegável, porém, que o STF deu um passo importante ao superar os argumentos terroristas no sentido de que a exclusão do ICMS da base do PIS/COFINS iria “quebrar” as contas públicas e efetivamente determinou a observância da Constituição, dando uma solução jurídica para o caso.
Ainda veremos os reais efeitos dessa decisão nos próximos anos, com muito trabalho pela frente.
*Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do KLA Advogados