No início da semana o governo federal publicou a Medida Provisória n. 1.184, que amplia a aplicação do “come-cotas” e restringe as possibilidades de diferimento do imposto de renda por meio dos fundos de investimento. Essa é mais uma tentativa de modificar a tributação dos cotistas de fundos fechados, especialmente dos chamados fundos patrimoniais, como tem sido amplamente noticiado. Iniciativa semelhante já havia sido tomada em 2021, por meio do Projeto de Lei 2.337, que não teve andamento.
O que a MP muda em relação à regra atual é estabelecer as retenções periódicas de imposto de renda a cada 6 meses (em maio e novembro) para os fundos de investimento em geral, excluídos os isentos e os ETFs de renda fixa, mas incluídos os FIPs, FIAs e ETFs não qualificados como entidades de investimento.
Na definição da MP, qualificam-se como entidades de investimento os fundos com estrutura de gestão profissional dotada de poderes para tomar decisões discricionárias sobre investimentos. A alíquota da retenção é de 15%, podendo ser complementada quando ocorrerem eventos de alienação, amortização ou resgate, caso a alíquota final para o respectivo cotista seja superior aos 15%.
A implementação de come-cotas em fundos fechados é um desafio de ordem prática. Dado que os fundos fechados não admitem resgate, suas cotas são comercializadas em operações secundárias. Na sistemática trazida pela MP, a retenção periódica poderia acontecer em nome de um contribuinte que não necessariamente será o titular das cotas no momento da liquidação ou resgate.
Para tentar resolver esse problema a MP determina que no caso de alienação de cotas, o cotista deve enviar recursos para o administrador do fundo fazer o recolhimento do IRRF. Essa mecânica deve demandar dos administradores esforços adicionais de controle e compliance fiscal.
Além de estabelecer a retenção periódica, como regra de transição, a MP pretende tributar à alíquota de 15% os rendimentos dos fundos acumulados até 31/12/2023, período em que as disposições da MP ainda não estarão valendo. As regras deverão ser as seguintes:
- o imposto sobre os rendimentos de 2023 deve ser pago até 30/05/2024
- o imposto pode ser parcelado em até 24 meses
- o cotista deve transferir recursos para o administrador do fundo fazer o recolhimento
- caso o imposto não seja pago, o fundo não poderá fazer distribuições ou repasses de recursos aos cotistas, ou fazer novos investimentos.
Alternativamente a MP permite a tributação do estoque de rendimentos apurados até 31/12/2023 pela alíquota de 10%, desde que o contribuinte opte por antecipar o recolhimento do imposto segundo o seguinte cronograma:
- rendimentos apurados até 30/06/2023: pagamento de 4 parcelas consecutivas, sendo a primeira em 29/12/2023
- rendimentos apurados entre 01/07/2023 a 31/12/2023: pagamento em parcela única até 31/05/2024
Esta medida de tributação dos “estoques” de rendimentos em fundos de investimentos fechados fere os princípios da irretroatividade e anterioridade por estipular fato gerador anterior à vigência da nova regra.
Especificamente quanto aos fundos patrimoniais, três questões principais chamam a atenção:
1. Tributação dos rendimentos acumulados até 31/12/2023 antes de sua realização
A MP cria nova regra de incidência de imposto de renda que fere os princípios da anterioridade e da irretroatividade por pretender alcançar fatos geradores ocorridos durante o ano corrente e antes do início de sua vigência, o que é bastante questionável. Mesmo que formulada sob a forma de tributação retrospectiva (como constou no Projeto de Lei anterior), em que o fato gerador estava definido como 1º de janeiro do ano seguinte, tal medida seria inconstitucional por contrariar os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança do contribuinte.
2. Alíquota de 10% para antecipação de recolhimento
Por se tratar de uma opção, a questão da anterioridade fica mitigada para o tema do recolhimento antecipado à alíquota de 10%. Contudo, como nem todo contribuinte estará apto a exercer esta opção, ela poderia ser entendida como discriminatória.
3. Restrições de distribuições e investimentos no caso de não recolhimento do imposto de renda
Tais restrições estão sendo formuladas como forma indireta de coagir os contribuintes a pagar o imposto, o que já foi afastado pelo STF em situações envolvendo apreensão de mercadorias (Súmula 323).
Trata-se de uma Medida Provisória ainda pendente de discussão e aprovação pelo Congresso. Alguns temas podem ser alterados ou até mesmo vetados, o que torna prematura qualquer decisão sobre o tema neste momento.
Esse informativo foi elaborado por Juliana Nunes, Victor Polizelli e Henrique Lopes.
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