Em 30 de junho de 2022, foi promulgado o acordo para evitar a dupla tributação (“ADT”) assinado entre Brasil e Singapura. O ADT já havia sido ratificado por Singapura no final de 2021, e entrará em vigor a partir do dia 1º de janeiro de 2023.
Quanto a esse aspecto, vale notar que a linguagem empregada pelo artigo 30 do ADT revela situações de retroatividade imprópria, que podem gerar oportunidades para aplicação do acordo a situações em andamento. Isso porque, no tocante aos tributos retidos na fonte, o ADT se aplicará em relação às rendas pagas, remetidas ou creditadas no dia ou após 1º de janeiro de 2023. Embora esse dispositivo empregue as expressões “pagas”, “remetidas” ou “creditadas”, em alguns casos previstos no ADT, o imposto na fonte somente pode ser cobrado no evento de “pagamento”, como é o caso de juros e royalties. Dessa forma, ao admitir a aplicabilidade do ADT para os eventos de “remessa” e “crédito”, é possível inferir um efeito retroativo, por exemplo, para juros vencidos e creditados ao longo de 2022 (ou em anos anteriores) e que venham a ser pagos em 2023, quando o ADT já estiver em vigor.
O ADT Brasil-Singapura faz parte de uma nova política de acordos que vem sendo adotada pelo Brasil desde 2018 (juntamente com os ADTs com Emirados Árabes Unidos, Suíça e Uruguai) e incorpora algumas mudanças recentes promovidas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) e pela Organização das Nações Unidas (“ONU”) na reedição dos respectivos modelos em 2017.
Destacamos abaixo os principais aspectos do novo ADT.
Limitações à tributação na fonte
A tributação na fonte sobre dividendos distribuídos do Brasil ou de Singapura a um residente do outro Estado é limitada a 10%, se o beneficiário desses dividendos detiver pelo menos 25% da sociedade pagadora, e a 15%, nos demais casos. Lembrando que os dividendos hoje não estão sujeitos à tributação no Brasil.
Juros poderão ser tributados na fonte à alíquota máxima de 10%, em caso de empréstimo bancário de no mínimo 5 anos destinado à compra de equipamentos ou a projetos de investimento, e de 15%, nos demais casos. O protocolo define que os juros sobre capital próprio são considerados como juros.
Royalties serão tributados na fonte à alíquota máxima de 15% em caso de royalties provenientes do direito de uso, de marcas de indústria ou de comércio, e de 10%, nos demais casos.
Tributação de serviços técnicos e de assistência técnica
A estratégia do Brasil em alguns ADTs mais antigos para tributação de serviços técnicos consistia em expandir o conceito de royalties constante do artigo 12 por meio de equiparações específicas contidas no protocolo, de modo a permitir que rendimentos de serviços técnicos e de assistência técnica fossem tributados na fonte.
Em relação a serviços técnicos, o ADT Brasil-Singapura abandonou essa estratégia e já está seguindo o artigo 12-A do modelo da ONU, com a previsão de um artigo específico para a tributação de serviços técnicos no seu artigo 13, o qual limita a retenção na fonte a 10%. Destacamos a sobreposição de escopo do artigo 13 com o artigo 15 do ADT (serviços pessoais independentes), sendo recomendada uma análise atenta das definições de ambos os artigos para o correto enquadramento do rendimento.
Em relação a serviços de assistência técnica, a equiparação a royalties via protocolo foi mantida, de modo que tais rendimentos são tributados na fonte como royalties, também limitados a 10%.
Tributação de ganhos de capital
Na linha dos demais acordos brasileiros, os ganhos de capital são tributáveis tanto pelo Estado de localização do bem quanto pelo Estado da residência (artigo 13). A novidade está na redação do parágrafo 4, que autoriza a tributação de vendas indiretas, a exemplo do previsto em alguns poucos ADTs brasileiros, como África do Sul, Emirados Árabes Unidos, Israel, Suíça e Uruguai. Lembramos que a previsão pelo ADT não é suficiente para permitir a tributação pelo Brasil, que depende de previsão em legislação doméstica.
Eliminação da dupla tributação – Método do crédito
A dupla tributação será evitada, tanto pelo Brasil quanto por Singapura, por meio do método do crédito, isto é, o imposto pago no outro país poderá ser compensado na apuração do imposto local (artigo 24).
No caso de dividendos, há previsão específica de crédito indireto no caso de pagamento de dividendos por empresa brasileira a residente em Singapura, com participação de ao menos 10%: nessa hipótese, o crédito deverá levar em consideração o imposto pago pela sociedade sobre a fração dos lucros a partir dos quais o dividendo é pago.
Direito a benefícios
Na linha dos acordos mais recentes, o ADT possui uma cláusula de direito a benefícios (artigo 28), mas cujas regras estão mais assemelhadas às cláusulas de limitação de benefícios adotadas pelos acordos assinados pelos Estados Unidos (cláusulas de limitation of benefits – “LOB”), as quais se baseiam na verificação de determinados requisitos, e não tanto na análise de propósito negocial.
No caso do ADT Brasil-Singapura, somente poderá se beneficiar do tratado uma pessoa qualificada nos termos do artigo 28(2) e que exerça atividade de condução ativa de um negócio, não bastando a operação como holding, a supervisão ou administração de sociedades, a promoção de financiamento para o grupo (cash pooling) ou o gerenciamento de investimentos.
Regras CFC
O artigo 11 do protocolo prevê que o ADT não impede a aplicação de regras voltadas a combater a evasão e elisão fiscais, incluindo as regras de subcapitalização e a legislação de sociedades controladas estrangeiras (legislação de “CFC”).
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