DEIXAR DE CORRIGIR INFORMAÇÃO FALSA QUANDO HÁ ALTERAÇÃO DO CONTRATO SOCIAL DA EMPRESA NÃO CONFIGURA CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA, DECIDE O STJ
O Superior Tribunal de Justiça entendeu que deixar de corrigir informação falsa inserida em contrato social da empresa no momento de sua alteração não configura continuidade delitiva e nem novo crime de falsidade ideológica.
O entendimento foi firmado em julgamento de Revisão Criminal, após um empresário ter sido condenado pelo crime de falsidade ideológica, em razão de ter protocolado na Junta Comercial, em 2010 e 2011, alterações ao contrato social da empresa sem retirar os nomes de duas pessoas “laranjas”, inseridos fraudulentamente em 2003 e 2007.
Antes da Revisão Criminal, a decisão que manteve a condenação do empresário indicou que não teria decorrido o prazo prescricional de 04 anos, entre o cometimento dos crimes, em 2003 e 2007, e o recebimento da denúncia, em 2013, pois as falsidades teriam sido continuadas nos anos de 2010 e 2011, quando da apresentação das alterações contratuais sem a retificação das informações.
Esse julgado aborda uma importante discussão sobre o momento da consumação do crime.
Os Ministros, seguindo entendimento do próprio Tribunal e da doutrina, decidiram que o crime de falsidade ideológica é formal, ou seja, independe de resultado naturalístico para sua verificação, e instantâneo, ou seja, que se consuma e se extingue no momento da inserção da informação falsa no documento.
Dessa forma, ainda que a falsidade continue produzindo efeitos após a sua consumação, a Justiça não poderia punir o crime perpetuamente, assim como não o faz com o crime de homicídio, pois impossível reverter seus efeitos. Portanto, é necessário reconhecer o início da contagem do prazo prescricional na data em que a última informação falsa foi inserida, em 2007, portanto a prescrição da pretensão punitiva ocorreu em 2011, ainda que se admita a aplicação da pena mais alta.
Outra discussão importante é se o empresário cometeu novas falsidades em 2010 e 2011 ao deixar de retificar as informações no momento das alterações do contrato social. A respeito disso, apesar do artigo 299 do Código Penal admitir o cometimento do crime por omissão de informações, o crime somente se verificaria se houvesse informações que deveriam constar no contrato, o que não é o caso em análise. Assim, não haveria conduta criminosa consistente na não retificação do contrato social passado.
STJ, Revisão Criminal nº 5.233/DF
TRF-3 SUSPENDE AÇÃO PENAL POR CRIMES TRIBUTÁRIOS CONTRA EMPRESÁRIOS QUE ADERIRAM AO PROGRAMA ESPECIAL DE REGULARIZAÇÃO TRIBUTÁRIA ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região concedeu ordem de habeas corpus para suspender ação penal proposta em face de dois empresários que, apesar de denunciados por crimes de sonegação fiscal, aderiram ao Programa Especial de Regularização Tributária (“Pert”) para o parcelamento do débito tributário, antes de analisadas suas respostas à acusação.
Nesse sentido, o Ministério Público Federal (“MPF”) entendeu que seria incabível a suspensão da Ação Penal, pois o parágrafo 2º, do artigo 83, da Lei nº 9.430/96, incluído pela Lei nº 12.382/2011, prevê a suspensão da pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes tributários, durante o período em que o contribuinte estiver aderido ao parcelamento tributário, desde que formalizado antes do recebimento da denúncia.
Segundo o MPF, esse não seria o caso dos empresários, já que teriam aderido ao parcelamento tributário após a análise prévia da denúncia pelo juiz e a determinação de apresentarem suas respostas à acusação.
Diante do questionamento, surge a importante discussão sobre qual seria o momento efetivo do recebimento da denúncia, que, no Direito brasileiro, é considerado ato complexo.
Em 2008, houve a mudança do Código de Processo Penal, que passou a prever que, após o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, o juiz realizará uma análise preliminar, para verificar se a denúncia cumpre com todos os requisitos legais e para verificar se há, de fato, indícios de autoria e materialidade delitiva. Se estiverem presentes todos os requisitos, o juiz determinará a citação dos acusados para apresentarem resposta à acusação. Apresentada a resposta à acusação, na qual os acusados poderão apresentar todos os argumentos que entenderem pertinentes, o juiz poderá absolver sumariamente os acusados ou rejeitar tardiamente a denúncia (nesse caso, retratando-se de sua decisão anterior).
Assim, há dúvida sobre qual seria o momento efetivo do recebimento da denúncia, se seria a decisão que acolhe a denúncia e determina a citação do réu, ou se seria a decisão que analisa a resposta à acusação. Há, ainda, quem diga que existem dois momentos de recebimento da denúncia.
O Desembargador Federal relator do caso, Maurício Kato, entendeu que, apesar de haver discussão sobre o momento do efetivo recebimento da denúncia pelo juiz, a referida dúvida não poderia prejudicar os acusados, em respeito ao princípio do in dubio pro reo, segundo o qual, em caso de dúvida quanto à situação do processo, não poderá haver decisão desfavorável aos réus.
Foi levado em consideração o fato de os empresários estarem cumprindo devidamente o acordo, inclusive, com o pagamento antecipado de algumas parcelas. Após o pagamento integral do débito tributário, deve ser reconhecida a extinção da punibilidade dos contribuintes.
TRF-3, Habeas Corpus nº 5004647-30.2020.4.03.0000
MPF PUBLICA NOTA TÉCNICA PARA UNIFORMIZAR ACORDOS DE LENIÊNCIA E DE COLABORAÇÃO PREMIADA
O Ministério Público Federal (“MPF”) publicou a Nota Técnica nº 1 de 2020, em que uniformiza os acordos de leniência e os acordos de colaboração premiada. Segundo a nota técnica, o objetivo central é dar mais segurança jurídica aos acordos firmados entre pessoas jurídicas e físicas com o MPF.
A Lei nº 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, prevê que os acordos de leniência são privativos de pessoas jurídicas envolvidas em atos lesivos à administração pública nacional ou estrangeira, como corrupção e fraudes a processos licitatórios. A lei não prevê a possibilidade de extensão às pessoas físicas.
Por outro lado, a Lei nº 12.850/2013, mais conhecida como Lei das Organizações Criminosas, que foi recentemente alterada pela Lei nº 13.964/2019 (“Lei Anticrime”), prevê o acordo de colaboração premiada somente para pessoas físicas que tenham praticado crimes no âmbito de organização criminosa.
Segundo a Nota Técnica, como o acordo de leniência pressupõe a realização de condutas que podem configurar crimes de corrupção pelas pessoas físicas, o cumprimento literal da lei poderia levar à celebração de acordo que beneficiaria as empresas, deixando de fora pessoas cuja colaboração seria fundamental para a eficácia do acordo de leniência, como acionistas, executivos, empregados, prepostos ou contratados.
Diante disso, para evitar essa situação, o Ministério Público, desde os primórdios da conhecida Operação Lava Jato, passou a incluir pessoas físicas nos acordos de leniência, em forma de Termos de Adesão ou de Subscrição, como se acordos de colaboração premiada fossem. Com isso, os efeitos civis cabíveis incidiam em relação às empresas, enquanto os efeitos penais incidiam nas pessoas físicas.
Contudo, a situação não tinha qualquer previsão legal, e os Procuradores não estavam vinculados para desenvolver tais práticas. A partir de agora, a norma técnica do MPF passou a orientar os Procuradores a desenvolver a referida uniformização dos acordos, de modo a fornecer maior previsibilidade e segurança jurídica a todos os envolvidos.
É importante frisar que o termo de adesão deve respeitar as novas normas que regulamentam a colaboração premiada, introduzidas pelo conhecido “pacote anticrime” (Lei 13.964/2019). Nesse sentido, é vedado, por exemplo, qualquer tipo de regime diferenciado não previsto em lei, para o colaborador cumprir a pena privativa de liberdade acordada.
Nessa mesma linha, a Norma Técnica estabelece que os acordos com colaboradores devem ser individualizados, com a concessão de benefícios tendo em vista as circunstâncias dos fatos, os elementos de colaboração apresentados, a utilidade para as investigações, dentre outros.
A Nota Técnica também frisa a importância da unidade e indivisibilidade do Ministério Público. Assim, orienta que as investigações sejam centralizadas em um único Procurador e que os demais membros do Ministério Público Federal, que não participaram das negociações, respeitem os acordos celebrados.
A Nota Técnica é fruto de um esforço do Ministério Público para dar maior segurança jurídica à leniência e ao acordo de colaboração. Em muitos casos, empresas que tinham interesse em firmar acordos de leniência, por mais que fizessem investigações internas, dependiam da colaboração das pessoas físicas envolvidas, para que pudessem apontar às autoridades, por exemplo, os nomes dos funcionários públicos corrompidos, o modus operandi e a extensão do dano ao erário. Nesse sentido, é salutar que a nota técnica tenha regulamentado a prática de termo de adesão pelas pessoas físicas, que já ocorria há vários anos.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ADMITE A POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL AINDA QUE JÁ INICIADA A AÇÃO PENAL
A 2ª Câmara Criminal do Ministério Público Federal (“MPF”) publicou o enunciado número 98, no qual se passou a admitir a possibilidade da realização do acordo de não persecução penal (“ANPP”) em ações penais iniciadas antes da promulgação da Lei Anticrime.
O ANPP foi incluído no Código de Processo Penal pela Lei nº 13.964/2019 (“Lei Anticrime”). De acordo com o artigo 28-A, quando não for o caso de arquivamento do inquérito policial e o investigado tiver confessado circunstancialmente a prática da infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 04 anos, o Ministério Público poderá propor o acordo, desde que necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Nessa hipótese, o Ministério Público deixa de oferecer a denúncia, e o investigado cumpre condições estabelecidas no acordo.
Como a previsão legal estabelece que o ANPP poderia ser proposto ao término do inquérito policial, com o intuito de não ser deflagrada a ação penal, surgiu o questionamento se seria possível a propositura do acordo ainda que no curso da ação penal, principalmente em relação àquelas já iniciadas antes das alterações da Lei Anticrime e cujos acusados preenchem os requisitos para o ANPP.
Nesse sentido, o enunciado do MPF é salutar pois, além de fixar resposta ao importante questionamento, também se coaduna à proposta de desencarceramento a que visou o ANPP .
Assim, de acordo com o entendimento firmado pelo MPF, ainda que já oferecida a ação penal, se verificadas todas as condições para o ANPP, não haveria razão para a sua não propositura, já que tal iniciativa representa uma economia de recursos públicos, especialmente durante a ação penal. Dessa forma, a Justiça poderia concentrar mais recursos e esforços para situações realmente complexas e mais graves.
Apesar do avanço trazido pelo enunciado, cabe salientar que suas disposições não são vinculantes e apenas representam diretrizes para os Procuradores da República atuarem diante das circunstâncias já expostas.
Ainda, é importante destacar que o enunciado foi editado pelo Ministério Público no âmbito Federal, ou seja, para situações que envolvam crimes que sejam de competência da União. Por ora, não há qualquer disposição ou recomendação semelhante para o Ministério Público nos âmbitos estaduais.