STJ GARANTE DIREITO AO SILÊNCIO SELETIVO AO RÉU DURANTE O INTERROGATÓRIO
O Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) garantiu o direito ao silêncio seletivo ao réu durante a realização de seu interrogatório. No caso concreto, uma pessoa denunciada pela prática de crimes sexuais foi impedida pelo juiz de primeira instância de responder somente as perguntas formuladas pela defesa, sob o argumento de que o réu deveria exercer seu direito ao silêncio em todas as perguntas ou responder todas as perguntas formuladas, inclusive pelo Ministério Público e pelo próprio juiz.
Após a realização do referido interrogatório e a condenação do réu em primeiro grau, sua defesa interpôs recurso de apelação ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina requerendo, dentre outras coisas, a nulidade do interrogatório em razão do cerceamento da defesa. O recurso foi improvido com reconhecimento da legalidade da condução do interrogatório pelo juiz de primeira instância.
Irresignada com o julgamento da apelação, a defesa do réu, em vez de interpor um dos recursos cabíveis (Recurso Especial ou Extraordinário) a um dos tribunais superiores (STJ ou STF), impetrou Habeas Corpus perante o STJ requerendo o reconhecimento da nulidade do interrogatório do réu.
Em decisão monocrática, o Ministro-Relator, Joel Ilan Paciornik, da Quinta Turma, não conheceu do Habeas Corpus, por ter sido utilizado como substituto de recurso apropriado, mas concedeu a ordem de ofício para determinar a realização de um novo interrogatório do réu ante a nulidade do que fora realizado.
Em sua fundamentação, o Ministro Paciornik se valeu dos argumentos utilizados pelo também Ministro da Quinta Turma do STJ Felix Fischer quando do julgamento do Habeas Corpus nº 628.224/MG, que tratou de caso idêntico. No referido Habeas Corpus, foi salientado que o interrogatório é um ato de defesa, a única oportunidade de o réu exercer a sua autodefesa na instrução do processo. Além disso, foi arguido que, apesar do Código de Processo Penal não ser claro sobre a possibilidade do silêncio seletivo, o réu pode exercer sua autodefesa de forma livre, desimpedida e voluntária, inclusive por meio do silêncio seletivo.
Referida decisão se mostra salutar, uma vez que reconhece o interrogatório como um ato de defesa, no qual deve prevalecer o direito de responder somente as perguntas que assim entender pertinentes para a sua defesa. Do mesmo modo, referida decisão expõe a necessária diferenciação entre o direito de autodefesa – por meio do silêncio seletivo –, o direito ao silêncio – de forma absoluta – e o de não produzir provas contra si mesmo (nemo tenetur se detegere).
Por fim, a decisão vem para consolidar cada vez mais o entendimento de que é um direito do réu o silêncio seletivo durante o interrogatório, uma vez que a Sexta Turma do STJ também já se manifestou favorável no mesmo sentido (REsp nº 1.825.622/SP). Agora, resta aguardar para saber se os demais tribunais brasileiros aplicarão o entendimento fixado.
INDÍCIOS DE PREJUÍZO AO ERÁRIO JUSTIFICAM A MANUTENÇÃO DO SEQUESTRO DE BENS INDEPENDENTEMENTE DA APURAÇÃO DE CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL EM AÇÃO PENAL, DECIDE STJ
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) decidiu que a manutenção da medida cautelar de sequestro de bens de um réu, fundamentada no Decreto-Lei nº 3.240/1941 – que dispõe sobre o “sequestro de bens de pessoas indiciadas por crimes de que resulta prejuízo para a fazenda pública” – é cabível ainda que a Ação Penal não apure crime de sonegação fiscal.
No caso concreto, uma pessoa investigada pelos delitos de sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e organização criminosa teve seus bens bloqueados, no curso do Inquérito Policial. Após a determinação do Supremo Tribunal Federal (“STF”) para o arquivamento do referido Inquérito Policial em relação ao delito de sonegação fiscal – ante a ausência de um requisito formal para a investigação dos fatos (Súmula Vinculante nº 24) – a denúncia do Ministério Público foi recebida apenas para que se apurasse o crime de organização criminosa.
Diante da situação, a defesa do réu requereu o desbloqueio dos bens ao juiz de primeira instância, uma vez que não seria apurado na Ação Penal qualquer crime que teria causado prejuízo à fazenda pública, o que foi indeferido. Após a interposição de Apelação, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal negou provimento, o que motivou a interposição de Recurso Especial perante o STJ.
Em decisão monocrática, o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca manteve o bloqueio de bens sob o argumento de que, apesar de a Ação Penal não apurar o delito de sonegação fiscal, o Decreto-Lei nº 3.240/1941 não especifica se o prejuízo à fazenda pública deva ser direto ou indireto. Dessa forma, como o réu está sendo denunciado por integrar organização criminosa formada para o fim de sonegar tributos, estaria justificado o bloqueio dos referidos bens.
O Ministro ainda salientou que o réu não foi denunciado pelo delito de sonegação fiscal em razão de uma mera questão formal, mas que havia indícios de que o crime fora praticado em prejuízo da fazenda pública.
Por fim, a decisão do STJ é importante e questionável. Isso porque, de um lado, demonstra um recente problema no judiciário brasileiro de monocratização de decisões que deveriam ser colegiadas. Afinal, trata-se o STJ de um tribunal composto por turmas de magistrados que, via de regra, devem apreciar os recursos a eles submetidos.
Por outro lado, a decisão mostra uma tendência dos tribunais brasileiros de se valerem de quaisquer argumentos, diretos ou indiretos, para a manutenção de medidas cautelares – sejam patrimoniais ou pessoais – que não necessariamente possuem relação com as imputações feitas aos réus em sede de Ação Penal. No caso concreto, por mais que o réu estivesse integrando organização criminosa para fins de sonegação fiscal, seus bens não poderiam ser bloqueados se ele jamais pudesse ser responsabilizado por referido crime.
RESOLUÇÃO DO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL MAIS BENÉFICA SOBRE VALORES NÃO DECLARADOS NO EXTERIOR DEVE RETROAGIR PARA BENEFICIAR O RÉU, DECIDE TRF-1
A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (“TRF-1”) decidiu que a norma mais benéfica da Resolução do Conselho Monetário Nacional (“RCMN”) nº 4.841/2020, que dispõe sobre “a declaração de bens e valores possuídos no exterior por pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no País”, deve retroagir para beneficiar o réu.
No caso concreto, uma pessoa foi condenada em 2015 pelo crime de manter no exterior “depósitos não declarados à repartição federal competente”, previsto no parágrafo único, do artigo 22, da Lei nº 7.492/1986 por manter US$ 995.000,00 em território estrangeiro sem qualquer declaração ao Banco Central. Na época, referido artigo da Lei nº 7.492/1986 era regulamentado pela RCMN nº 3.854/2010, que exigia a declaração ao Banco Central “quando os bens e valores do declarante no exterior totalizarem… quantia igual ou superior a US$ 100.000,00 (cem mil dólares dos Estados Unidos da América)”.
No entanto, em 2021, já em sede de recurso para a segunda instância, a defesa do réu alegou que a RCMN nº 4.148/2020 alterou as disposições da RCMN nº 3.854/2010, para exigir a declaração ao Banco Central somente “quando os bens e valores do declarante no exterior totalizarem… quantia igual ou superior a US$ 1.000.000,00 (um milhão de dólares dos Estados Unidos da América)”. Dessa forma, como o réu mantinha no exterior valor abaixo do limite estabelecido, o regramento previsto na nova resolução deveria retroagir para beneficiá-lo e eximi-lo de responsabilidade criminal, com base no inciso XL, do artigo 5º, da Constituição Federal, e do artigo 2º do Código Penal.
O Relator do recurso, o Juiz Federal Convocado José Casali Bahia, acolheu os argumentos da defesa do réu e salientou que o valor mantido em território estrangeiro pelo réu é inferior ao valor estabelecido pela nova Resolução, de modo que a condenação deveria ser afastada. O Relator foi acompanhado pelos demais magistrados da 4ª Turma.
Por fim, a decisão é de extrema importância, uma vez que consolida o entendimento de que a norma, ainda que de natureza administrativa, deve retroagir para beneficiar o réu se seus efeitos repercutem em processos criminais. Agora, resta saber se os demais tribunais brasileiros também decidirão da mesma maneira, ou se será necessária a manifestação dos tribunais superiores sobre o tema.
STJ FIXA TESE DE QUE A GARANTIA ACEITA NA EXECUÇÃO FISCAL PELA FAZENDA PÚBLICA NÃO CONFIGURA HIPÓTESE DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE OU DE SUSPENSÃO DO PROCESSO
Na última edição (nº 174) do “Jurisprudência em Teses” do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), foi fixada a tese de que “a garantia aceita na execução fiscal não possui a natureza jurídica de pagamento do tributo e, portanto, não fulmina a justa causa para a persecução penal dos crimes previstos na Lei nº 8.137/1990, pois não configura hipótese taxativa de extinção da punibilidade ou de suspensão do processo penal”.
A Lei nº 10.684/2003 dispõe, em seu artigo 9º, que é suspensa a pretensão punitiva referente aos crimes tributários da Lei nº 8.137/1990 durante o período do regime de parcelamento do débito tributário – comumente conhecido como “Refis”. Ademais, no parágrafo 2º do referido artigo, é previsto o afastamento da punição pelos crimes da Lei nº 8.137/1990 quando o agente efetua o pagamento integral dos débitos tributários e contribuições sociais, incluindo os acessórios.
Como não bastasse, a Lei nº 6.830/1980, que dispõe sobre a Execução Fiscal, prevê, em seu artigo 9º, que poderá ser garantida a dívida tributária por meio de depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, nomeação de bens à penhora etc. Essa garantia é, inclusive, condição imprescindível para que o executado possa opor embargos à execução.
Com base nisso, muito se discutiu sobre a possibilidade de suspensão ou extinção da punibilidade do agente pelo crime tributário quando garantido o débito tributário no curso da execução fiscal.
É nesse contexto em que se formou a tese no STJ de que a garantia dada ao longo da execução fiscal não tem o condão de suspender ou extinguir a pretensão punitiva do Estado, uma vez que a garantia não tem a natureza jurídica de pagamento ou financiamento do débito tributário, mas tão somente de possibilitar a oposição de recurso na esfera judicial.
Por fim, a tese do STJ é passível de muitas críticas, já que uma vez garantido o débito tributário, se a execução fiscal vier a ser julgada procedente, o débito estará pago, não havendo razões para o prosseguimento do processo criminal. A tese do STJ se apega a um positivismo exacerbado que tenta diferenciar circunstâncias que em última análise possuem as mesmas consequências que é o pagamento do débito tributário. Dessa forma, espera-se que o entendimento seja reformado.
STJ FIXA TESE DE QUE O REGISTRO, A APURAÇÃO E A DECLARAÇÃO DO TRIBUTO EM GUIA PRÓPRIA OU LIVROS FISCAIS NÃO ELIDE A PRÁTICA DO DELITO DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA
Na última edição (nº 174) do “Jurisprudência em Teses” do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), que expõe entendimentos (teses) do STJ a serem aplicados pelos tribunais brasileiros, também foi fixada a tese de que “para a configuração do delito de apropriação indébita tributária (art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990), o fato de o agente registrar, apurar e declara, em guia própria ou em livros fiscais, o imposto devido não tem o condão de elidir ou exercer nenhuma influência na prática do delito, pois a clandestinidade não é elementar do tipo”.
O artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/1990 prevê que constitui crime conta a ordem tributária “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”.
Referida previsão legal busca punir, geralmente e a título de exemplo, o comerciante que cobra o ICMS do consumidor final na nota fiscal, mas não repassa o montante ao fisco, ou, então, o empregador que recolhe o Imposto de Renda do empregado na fonte, mas também não repassa os valores aos cofres públicos, apropriando-se dos valores.
Nesse diapasão, o STJ fixou o entendimento em vários julgados de que, ainda que não exista fraude para a apropriação indébita, ou que a cobrança ou o desconto do tributo seja formalmente registrado, o delito do inciso II, do artigo 2º, da Lei de Crimes Tributários resta configurado. Isso porque o tipo penal (o texto da lei) não exige clandestinidade ou fraude, isto é, que a apropriação indébita seja cometida mediante, por exemplo, omissão de registros nos livros contábeis.
Apesar de o tipo não exigir textualmente fraude, a tese fixada pelo STJ poderá abrir caminho para a criminalização de simples indébitos tributários. De qualquer forma, a tese é relevante, pois busca sanar dúvidas e divergências ainda presentes na jurisprudência e na doutrina que discutem se os crimes do artigo 2º da Lei de Crimes Tributários, assim como aqueles previstos em seu artigo 1º, exigem que a conduta seja realizada mediante algum tipo de fraude.