Logística reversa: decretos regulamentadores e o papel dos Estados

Os Decretos nº 10.936/2022 e nº 11.413/2023 trazem atualizações cruciais para a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), reforçando a fiscalização ambiental, a inclusão social na reciclagem e a rastreabilidade do ciclo produtivo

Blog produzido por Flávia Marcilio e José Davi Fidalgo

Como falamos no último post do blog, sobre a Lei nº 12.305/2010, que instituiu a PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos), agora vamos tratar de dois decretos importantes sobre o tema: o Decreto nº 10.936/2022, que regulamenta a PNRS, e o Decreto Federal nº 11.413/2023, que é um aprofundador da PNRS.

O Decreto Regulamentador nº 10.936/2022 instituiu:

  1. O Programa Nacional de Logística Reversa, integrado ao Sistema Nacional de Informações Sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir) e ao Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), e
  2. O manifesto de transporte de resíduos (MTR) que consiste em um documento auto declaratório e válido em todo território nacional, cujo objetivo é garantir a fiscalização ambiental dos Sistemas de Logística Reversa.

Ainda, o decreto prevê tratamento específico aos resíduos perigosos e determina que o sistema de Logística Reversa de agrotóxicos, seus resíduos e suas embalagens, será disposto em legislação específica.

Já o Decreto 11.413/2023 é um aprofundamento e detalhamento da Lei 12.305/2010, conhecida como Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Essa lei estabeleceu as bases gerais para a gestão dos resíduos sólidos no Brasil, incluindo a logística reversa.

Ela definiu os princípios, objetivos e instrumentos para a implementação de políticas públicas de resíduos sólidos, mas deixou diversos pontos a serem regulamentados por decretos e outras normas complementares.

  • Objetivo: Aprimorar a implementação e a operacionalização da infraestrutura física e logística para a reciclagem, estimular a colaboração entre os sistemas de logística reversa e de reciclagem, e promover o aproveitamento de resíduos sólidos.
  • Incentivo à Reciclagem: Estimula a utilização de insumos com menor impacto ambiental, o desenvolvimento de produtos com maior reciclabilidade, e a inclusão de catadores e cooperativas na cadeia de reciclagem.
  • Transparência e Rastreabilidade: Implementa um sistema de informações eletrônicas (caixa-preta) para rastrear a quantidade de produtos e embalagens reciclados e garantir a transparência do processo.
  • Governança: Define as responsabilidades das entidades gestoras, empresas e verificadores de resultados, além de estabelecer mecanismos de controle e monitoramento.

O Decreto 11.413/2023 entra em cena justamente para detalhar e operacionalizar os dispositivos da PNRS relacionados à logística reversa.

  • CCRLR (Certificado de Crédito de Reciclagem de Logística Reversa): Comprova a restituição de produtos ou embalagens ao ciclo produtivo.
  • CERE (Certificado de Estruturação e Reciclagem de Embalagens em Geral): Certifica empresas que investem em projetos estruturados de recuperação de materiais recicláveis.
  • Certificado de Crédito de Massa Futura: Permite que empresas antecipadamente cumpram metas de logística reversa, investindo em projetos de longo prazo.

Portaria do governo federal

Recentemente, no começo do mês de agosto, foi editada pelo governo federal a Portaria GM/MMA nº 1117, que regulamenta o Decreto nº 11.413/2023 a fim de estabelecer critérios para habilitação dos verificadores de resultado de sistemas de logística reversa e instituir o primeiro chamamento público para cadastramento de pessoas jurídicas no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).

Em suma, a norma prevê que as pessoas jurídicas, contratadas por entidades gestoras, devem encaminhar requerimento ao MMA que fará a análise, habilitação, e posterior publicação no Sinir. Os interessados responsáveis pela custódia de informações relacionadas ao sistema de logística reversa representam tanto as pessoas jurídicas inscritas no CNPJ como as sociedades estrangeiras com autorização para funcionar no país.

Dentre as determinações, os verificadores não podem ser ou ter relações diretas com os fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes vinculados ao sistema de logística reversa objeto da verificação, e de entidades representativas, entidades gestoras ou terceiros que atuem como operadores do sistema de logística reversa objeto da verificação dos resultados. Além disso, deverão emitir relatório anual ao MMA, disponibilizando os resultados das entidades gestoras aderentes.

Ainda, é dada atenção especial à verificação, validação e autenticidade das notas fiscais eletrônicas emitidas pelos operadores e geradas na operação/comercialização dos produtos e embalagens, a fim de comprovar o retorno efetivo dos materiais recicláveis ao ciclo produtivo para seu reaproveitamento.

Os interessados devem se adaptar às condições da Portaria no prazo de 180 dias da data de publicação e a habilitação terá validade de 3 anos a partir da data de publicação do ato de homologação, podendo ser renovado por iguais períodos, mediante requerimento do interessado ao MMA, no prazo de 90 dias antes do término do respectivo prazo de validade, e desde que seja mantido o atendimento aos critérios de habilitação.

Importante mencionar que a falta da habilitação não impede que os verificadores de resultado exerçam suas atividades nos sistemas de logística reversa, respeitando as legislações de âmbito estadual e municipal.

Regulamentação nos Estados

Atualmente 13 Estados tem políticas de logística reversa estabelecidas por lei: São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Piauí, Pernambuco, Paraíba, Maranhão, Sergipe, Amazonas, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul.

Isso significa que as empresas que importam, fabricam, distribuem ou comercializam produtos e/ou embalagens que são vendidos nestes estados devem cumprir a legislação vigente sobre a logística reversa desses materiais, ainda que não estejam estabelecidos em cada um deles.

No âmbito estadual, além do destaque para Mato Grosso do Sul mencionado em alerta do nosso time de Direito Ambiental, também destacamos as normas elaboradas por São Paulo.

Nesse Estado, a Lei nº 12.300/2006 instituiu a Política Estadual de Resíduos Sólidos e foi regulamentada pelo Decreto Estadual nº 54.645/2009. Apesar de as normas não disciplinarem especificamente sobre Logística Reversa, ambas reconhecem a responsabilidade pós-consumo dos produtores, importadores, transportadores, distribuidores, comerciantes, consumidores, catadores, coletores, administradores e demais operadores de resíduos sólidos em qualquer das fases de seu gerenciamento.

Já a Resolução SMA nº 45/2015 foi a norma que definiu as diretrizes para implementação e operacionalização da responsabilidade pós-consumo no Estado de São Paulo.

Quem está sujeito

Em São Paulo, são obrigados a estruturar sistema de Logística Reversa, por meio do retorno dos produtos e embalagens após o uso pelo consumidor, “os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes dos produtos que, por suas características, exijam ou possam exigir sistemas especiais para acondicionamento, armazenamento, coleta, transporte, tratamento ou destinação final, de forma a evitar danos ao meio ambiente e à saúde pública (…)”. (art.2º).

A resolução traz uma lista de produtos e embalagens comercializadas no estado de São Paulo que estão sujeitas ao sistema de Logística Reversa:

  1. Dentre os produtos que resultam em resíduos considerados de significativo impacto ambiental estão: óleo lubrificante, óleo comestível, filtro de óleo lubrificante automotivo, baterias automotivas, pilhas e baterias portáteis, produtos eletroeletrônicos e seus componentes, lâmpadas fluorescentes (de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista), pneus inservíveis, medicamentos domiciliares (vencidos ou em desuso); e
  2. Dentre as embalagens de produtos que componham a fração seca dos resíduos sólidos urbanos ou equiparáveis (com exceção das classificadas como perigosas pela legislação brasileira) estão: alimentos, bebidas, produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, produtos de limpeza e afins, outros utensílios e bens de consumo, além daquelas que contenham agrotóxicos e óleo lubrificante automotivo.

Termos de compromisso

É possível a celebração de Termos de Compromisso com a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo (SEMIL) e com a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), além do condicionamento da renovação das licenças de operação emitidas pelo órgão.

Os Termos de Compromisso não são definidos explicitamente em norma, mas referidos como possibilidade na inexistência de acordo setorial para o produto ou no caso de haver a necessidade de estabelecimento de compromissos mais rígidos, devendo ser homologados pelo órgão ambiental competente.

Nesses casos, uma ou outra parte n firmar um Termo de Compromisso individualmente, sendo que o instrumento pode ter abrangência estadual (Art. 32, Decreto Federal 7.404/2010), facultando aos Estados sua avaliação técnica e econômica. O Termo de Compromisso é também estabelecido como instrumento da PERS (Art. 4, inc. VI, Lei Estadual 12.300/2006), mas sem definição em norma.

O descumprimento da Resolução poderá levar à aplicação das penalidades previstas na legislação ambiental, em especial nas Leis Estaduais nº 9.509/1997 e nº 12.300/2006, no Decreto Estadual nº 54.645/2009 e Decreto Federal n° 6.514/2008.

Flávia Marcilio e José Davi Fidalgo

Flávia Marcilio atua há mais de 30 anos com Direito Ambiental, Sustentabilidade e Emergência Ambiental, com consultivo e judicial para todos os setores, com ênfase em projetos de Agronegócio, Investimentos Florestais, Mineração e Negócios Imobiliários.

José Davi Fidalgo tem experiência com Direito Ambiental e Imobiliário, atendendo indústrias, instituições financeiras e o agronegócio na obtenção de licenças, na estruturação de fundos imobiliários e em operações no Mercado de Carbono.

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