Execução fiscal e as responsabilidades de sócios e administradores

Saiba como funciona a execução fiscal, quem pode ser responsabilizado pela dívida ativa e em quais situações sócios e administradores podem ser incluídos no processo

Blog produzido por Felipe Omori

Neste post do blog Processo Tributário, do sócio de Direito Tributário Felipe Omori, você vai encontrar:

  • O que é uma execução fiscal?
  • A Inscrição em Dívida Ativa
  • Quem responde pela execução fiscal?
  • Hipóteses de redirecionamento


O que é uma execução fiscal?

No nosso post sobre ações judiciais falamos um pouco sobre as ações que podem ser ajuizadas pelos contribuintes para discutir temas tributários.

Hoje vamos falar sobre a principal ação que a Fazenda Pública ajuíza contra os contribuintes – a tão temida execução fiscal.

A EF é o meio pelo qual a União, Estados, o Distrito Federal e os Municípios cobram os seus créditos dos devedores.

Essa ação possui um rito específico, atualmente disciplinada pela Lei 6.830/1980, conhecida como Lei de Execução Fiscal, ou LEF. Em alguns aspectos e de forma subsidiária ela também pode ser disciplinada pelo próprio Código de Processo Civil.

A ideia é que a EF seja um processo célere, porque é embasada em um título executivo, como veremos abaixo. Ou seja, seria um pedido para que o Judiciário executasse o título e tomasse as medidas coercitivas e de expropriação de maneira que o débito seja pago.

No entanto, a realidade que vemos hoje é que as execuções são ineficientes e são o maior volume de processos de nosso Judiciário.

Seja pela lentidão do próprio Judiciário, ou por manobras diversas, é comum que a busca de bens e recursos dos devedores seja infrutífera e os processos se acumulem.

A falta de racionalização na condução dessas execuções também dificulta o trabalho do Judiciário e das próprias Fazendas, sendo comum encontrar execuções de valores baixíssimos, que sequer justificam o custo de seu ajuizamento.

Uma vez ajuizada a execução, o devedor é citado para pagar o débito em cinco dias ou apresentar uma garantia.

A garantia visa possibilitar a apresentação de uma defesa pelo executado – chamado de embargos à execução fiscal. A lógica é de que a presunção inicial é de que o débito é devido, então, para que o contribuinte possa discutir a cobrança, é preciso que o débito esteja garantido.

Isso também, em muitas vezes na área tributária, pode dificultar ou até mesmo inviabilizar a defesa pelo contribuinte, quando os valores são elevados.

Uma vez garantida, se inicia o prazo de 30 dias para apresentação desses embargos (a data de contagem do prazo pode variar de acordo com o tipo de garantia, então é importante estar atento ao artigo 16 da LEF, que estabelece o marco inicial em cada situação).

Os embargos, por sua vez, possuem natureza de ação de rito comum, então são uma ação de conhecimento, no qual é possível apresentação e produção de provas, voltadas a demonstrar a ilegitimidade ou eventuais nulidades da execução fiscal. Ela é uma ação autônoma, com numeração própria, e que precisa ser apensada ou vinculada à execução fiscal respectiva. Falaremos com mais detalhes sobre os embargos em um posto específico, futuramente.

Na execução fiscal em si não é possível realizar a discussão do mérito da cobrança.

No entanto, após muitos anos de discussão e por pressão da doutrina e aceitação da jurisprudência, criou-se a figura da exceção de pré-executividade, que até hoje não possui previsão em lei.

A ideia dessa exceção é a de ser uma defesa prévia apresentada pelos contribuintes, demonstrando vícios na execução que, em teoria, seriam conhecíveis de ofício pelo próprio juiz. Ou seja, seriam elementos essenciais para que a EF pudesse ter continuidade e, por esse motivo, seria possível que o executado apresentasse esse tipo de argumento, mesmo sem garantir a execução.

O Superior Tribunal de Justiça já fixou o Tema 104 de recursos repetitivos, no qual a tese firmada foi a de que: “A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória”.

Então, apenas os assuntos que possam ser demonstrados de forma direta e objetiva podem ser aceitos em exceção, como por exemplo, um pagamento já feito que por algum motivo não foi reconhecido, ou uma ilegitimidade passiva para responder pela execução etc.

A questão é que, em matéria tributária, mesmo esses temas podem ser complexos e de demonstração difícil, então é importante que o advogado avalie o tema e a jurisprudência para verificar se determinado tema teria ou não aceitação via exceção. A própria exceção, em si, não suspende o curso da execução, motivo pelo qual mesmo com sua apresentação o contribuinte ainda se encontrará em risco de ter bens penhorados (e nessa situação o prazo para oposição de embargos à execução poderá se iniciar).

A decisão que acolhe a exceção poderá extinguir a execução e, nesse caso, a Fazenda poderá apresentar recurso de apelação ao segundo grau. A decisão que rejeita a exceção, por sua vez, não finaliza o processo e, por isso, deve ser desafiada por meio de agravo de instrumento. Nesse caso, a execução irá ter continuidade e provavelmente irá buscar bens para penhora, sendo importante que buscar a concessão de um efeito suspensivo no eventual agravo de instrumento.

Não pago o débito ou não garantido e nem apresentada a defesa, a execução buscará bens livres para penhora, sendo que o artigo 11 da LEF e 835 do CPC estabelecem a ordem de prioridade de bens, sempre iniciando pelo dinheiro em espécie ou em instituições financeiras, mas variando quanto à ordem dos demais bens. Há discussão quanto a qual dispositivo deve prevalecer.

Atualmente, porém, vemos que as Fazendas buscam quase que exclusivamente a chamada penhora on-line, buscando dinheiro e aplicações financeiras via busca eletrônica feita pelo juiz. Quando a tentativa de bloqueio é infrutífera, é comum que a execução seja suspensa por não localização de bens, visto que não há recursos suficientes para que as Procuradorias realizem buscas detalhadas de bens em todos os casos, além do fato de que, a depender do bem, eles possuem baixa liquidez ou valor, não sendo suficientes para saldar as dívidas.

Não localizado o devedor ou não encontrados bens, o artigo 40 da LEF prevê que a execução deverá ser suspensa pelo prazo de um ano, no qual a Procuradoria deveria realizar novas buscas ou indicar outras formas para satisfação dos débitos. Decorrido esse período sem movimentação, o processo é arquivado provisoriamente por cinco anos. Ao final desse prazo, é possível requerer a extinção da execução pela chamada prescrição intercorrente.

A forma de contagem desses prazos foi definida em 2019 pelo STJ no Tema 566.

Então, uma execução fiscal pode tomar diversos rumos a depender das providências processuais e das peculiaridades do caso e situação patrimonial do devedor. É sempre complexo traçar uma estratégia na execução fiscal em razão de todos esses fatores e por isso é importante conhecer todas as consequências processuais, mas também a prática forense em relação à condução da EF.

A Inscrição em Dívida Ativa

Em sendo uma execução, ela deve estar embasada em um título executivo.

Nesse caso, o título é formado extrajudicialmente e se chama Certidão de Dívida Ativa – CDA.

A Dívida Ativa está definida n Lei 4.320/1964 e constitui o conjunto de créditos da Fazenda Pública, proveniente de obrigações tributárias ou não tributárias, bem como seus respectivos adicionais e multas, que estejam aptos para cobrança -ou seja, cujo prazo de pagamento tenha se escoado, ou cujo processo administrativo tenha se encerrado de forma desfavorável aos contribuintes.

Assim, o órgão fiscalizador e arrecadador, a depender do caso, envia os créditos para o órgão de representação judicial do Ente (a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, no caso da União, por exemplo), que então realiza a inscrição em Dívida Ativa, que “se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito” (artigo 2º, § 3º da LEF).

Uma vez inscrito o crédito, extrai-se a certidão dessa inscrição, que é a CDA. A CDA é um dos documentos (o mais importante) que instrui a execução fiscal.

Ao longo do tempo muito se discutiu sobre os requisitos que a CDA deve conter, para que o contribuinte possa compreender a origem da cobrança quando citado pela EF.

Ao longo dos anos as Procuradorias foram aperfeiçoando o sistema de emissão das CDAs, mas no passado era comum encontrar decisões que declaravam a nulidade da CDA por não conter, por exemplo, qual o índice de atualização do crédito em cobrança.

Mas mesmo hoje, ao receber uma citação em execução fiscal, por vezes há dificuldade em se identificar qual a origem da cobrança e de qual processo administrativo ele decorreu, sendo que muitas vezes é preciso realizar diligências aos órgãos públicos para conseguir obter mais informações.

Para que a EF seja legítima, o título executivo deve ser líquido, certo e exigível. A ausência de qualquer um desses requisitos deve (ou deveria) levar à nulidade da EF, nos termos do artigo 803, do CPC.

A demonstração da ausência desses requisitos, como mencionamos acima, pode se dar pela exceção de pré-executividade, ou pela via dos embargos à execução.

Quem responde pela execução fiscal

As partes na EF são a Exequente (a Fazenda Pública) e o Executado, que é o devedor.

Mas quem vai realmente figurar na posição de Executado dependerá da origem do débito executado e eventuais acontecimentos que tenham ocorrido na esfera administrativa.

Via de regra, o Executado será o contribuinte do tributo. Essa aferição é simples na maior parte dos casos, porque ou estaremos falando de débitos declarados pelo contribuinte, ou cobrança decorrentes de autos de infração ou negativas de declaração de compensação, no qual o contribuinte terá sido identificado.

Mas há, também, situações em que a legislação atribui responsabilidades a terceiros pelos débitos tributários do contribuinte. Essa previsão está nos artigos 133 e 134 do CTN, mas também existe em diversas outras legislações nas hipóteses de retenção na fonte, substituição tributária ou responsabilidade por recolhimento.

Então, além da verificação da legitimidade passiva processual que deve ser sempre verificada em uma execução fiscal, também é sempre importante avaliar a legitimidade passiva material para responder a um determinado tributo, nos termos da legislação de referência.

Hipóteses de redirecionamento

Além das hipóteses de responsabilidade normalmente prevista na legislação, há, também, as hipóteses de redirecionamento da execução fiscal, para um novo devedor.

Essa previsão está, principalmente, no artigo 135, do CTN, que prevê as situações nas quais terceiros passam a responder pessoalmente por dívidas tributárias, no caso de terem praticados atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

A principal figura desse artigo são os sócios e administradores que podem vir a responder por débitos da pessoa jurídica, se agirem de tal forma.

Há muita discussão sobre o verdadeiro alcance desse artigo, sendo que as Fazendas sempre defendem e tentam aplicá-lo de forma ampla.

Via de regra, se um evento que leve à responsabilização de terceiros ocorreu antes do ajuizamento da execução fiscal e a Procuradoria tinha conhecimento do fato, a execução já deveria ser ajuizada em nome desse terceiro. Mais ainda, eventual auto de infração deveria, também, ser lavrado contra essa pessoa, para oportunizar a sua ampla defesa e contraditório na fase administrativa.

Nem sempre – ou quase nunca – isso acontece, o que deveria levar, na verdade, à extinção da execução por ilegitimidade passiva. Isso também tende a não acontecer, sendo que comumente os juízes autorizam simplesmente a inclusão do novo responsável na execução fiscal. Essa situação, a nosso ver, é tecnicamente ilegítima.

Quando o evento só vem a ser conhecido após o ajuizamento, ou quando ele ocorre após o ajuizamento, temos, então, uma situação de redirecionamento, cujo prazo de prescrição é de cinco anos da citação do devedor originário, ou cinco anos da data do conhecimento do fato, se posterior à citação.

Nesse caso, a Fazenda deverá demonstrar os fatos que levam a tal responsabilização e requerer a inclusão do terceiro no polo passivo da execução. Há discussão se, para isso, seria preciso apresentar um incidente de desconsideração de personalidade jurídica (IDPJ), ou se a disciplina da execução fiscal, por ser mais específica, afastaria essa necessidade (ver IRDR 4.03.1.000001 do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e Tema 1.209 de repetitivos no STJ).

Dedicaremos um post específico sobre esse tema no futuro, pois as implicações de redirecionamento da execução são complexas e comportam muitas discussões.

Continuem acompanhando!

Felipe Omori

Felipe Omori é advogado em São Paulo, especialista pelo IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários) e mestre pela USP em Direito Econômico, Financeiro e Tributário. É sócio da área Tributária do KLA, responsável pelo contencioso judicial, e professor no curso de especialização em Direito Tributário no IBDT (Instituto Brasileiro de Direito Tributário) e no IBET. Também é autor do livro “Tributação e A Forma do Negócio Jurídico: Uma Proposta para Os Limites da Tributação“ (Ed. Dialética).

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