Nesta newsletter de Direito Empresarial e Societário, você vai encontrar:
- Admissão tácita de herdeiros em sociedade: medidas para a sucessão de sócio
- Marco inicial da prescrição para responsabilização de controladores de S/A
- Irreversibilidade de liquidação de sociedade e alocação de haveres posteriores
- Novas regras para nomes empresariais
- Grupamento de ações e os requisitos de sua regularidade
1. Admissão tácita de herdeiros em sociedade: medidas para a sucessão de sócio
A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), ao julgar o Agravo de Instrumento nº 2306952-48.2024.8.26.0000 nos termos de decisão publicada em 30 de janeiro de 2025, analisou a possibilidade de exclusão de espólio do quadro societário após mais de 30 meses de sua atuação como sócio.
No caso, como havia previsão no Contrato Social no sentido de que eventuais herdeiros/sucessores poderiam ou não serem aceitos como sócios, a sociedade deliberou sobre o desinteresse em admitir os herdeiros do sócio falecido, mas teve seus efeitos suspensos judicialmente sob o fundamento de que, pelo longo período decorrido, houve aceitação tácita do espólio no quadro societário.
Os agravantes sustentaram que a deliberação societária em questão não configuraria uma exclusão, mas apenas a manifestação de desinteresse na admissão dos sucessores, conforme autorizado pelo artigo 1.028, inciso I, do Código Civil e pela cláusula do contrato social acima mencionada. Neste contexto, diante da suposta regularidade da deliberação e da observância das formalidades procedimentais, referida deliberação deveria ser mantida, permitindo a liquidação das quotas do falecido e o pagamento de seus haveres.
O TJSP, contudo, entendeu que, ao longo de mais de dois anos, o espólio exerceu direitos típicos de sócio com anuência dos demais, participando de reuniões e recebendo informações – além do fato de a data-base para cálculo dos haveres haver considerado não o momento de falecimento do sócio, quando teria se dado o desligamento, mas sim a data mais próxima daquela recente deliberação de desinteresse na admissão dos sucessores do sócio falecido.
Diante desse histórico, o tribunal reconheceu a plausibilidade da tese de aceitação tácita do espólio, concluindo que eventual afastamento deveria seguir o procedimento formal de exclusão de sócio previsto no artigo 1.085 do Código Civil, garantindo direito de defesa e observância dos requisitos legais.
A decisão indica que, na hipótese de abertura de sucessão de sócios, a manifestação expressa da sociedade quanto à admissão ou não dos herdeiros e sucessores deve ocorrer de forma célere. A inércia prolongada pode consolidar a permanência do espólio na sociedade, impossibilitando o desligamento simplificado e exigindo as rigorosas condições para eventual exclusão.
Para evitar esse risco, é fundamental que, nessas situações, os demais sócios adotem medidas imediatas para deliberar sobre a não admissão dos sucessores, implementando os procedimentos e comunicações necessários a fim de garantir a segurança jurídica nessa transição.
Recomenda-se, por fim, que, em sendo o caso e para evitar dúvidas e discussões desnecessárias, prever expressamente que eventuais sucessores e herdeiros não sejam admitidos como sócios. Mesmo diante dessa cláusula, a celeridade nos procedimentos segue sendo importante para garantir a segurança jurídica na transição.
2. Marco inicial da prescrição para responsabilização de controladores de S/A
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recentes decisões (REsp nº 2066846/SP e REsp nº 2079626/SP), analisou a aplicação do prazo prescricional para ações de responsabilidade civil contra acionistas controladores de companhias abertas. Em ambos os casos, discutiu-se se a contagem do prazo prescricional deveria iniciar-se com a publicação da ata que aprova o balanço do exercício no qual ocorreu o ato lesivo, conforme o artigo 287, II, “b”, 2, da Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76), ou se deveria ser aplicado o princípio da actio nata subjetiva, iniciando-se a prescrição apenas quando a parte prejudicada tivesse ciência inequívoca do dano.
Os recorrentes sustentaram que o artigo 287 da Lei das S.A. estabelece um prazo de 3 anos, contados da publicação da ata da assembleia geral que aprova o balanço, e que a adoção de um critério subjetivo para o início da prescrição geraria insegurança jurídica. Alegaram ainda que os acionistas teriam condições de verificar irregularidades nas demonstrações financeiras no momento de sua publicação, razão pela qual a ciência do dano deveria ser presumida a partir desse marco.
O STJ, contudo, reafirmou a possibilidade de flexibilização do marco inicial da prescrição em situações excepcionais, especialmente quando o dano decorre de atos fraudulentos ou dissimulados que impossibilitam a ciência dos acionistas no momento da publicação dos balanços.
Nos casos concretos analisados, a Corte considerou que a violação ao direito dos acionistas apenas se tornou plenamente passível de conhecimento com a celebração de acordos de leniência, nos quais foram admitidas práticas ilícitas por parte dos controladores.
Como previsto no voto-vencedor, “para se determinar a responsabilidade civil do controlador de sociedades anônimas, especialmente em companhias de capital aberto, é necessário que se fixe um momento comum a todos os acionistas, no qual tomam conhecimento dos fatos. Isto porque, em razão pulverização das ações, seria praticamente impossível saber quando cada um dos sócios ou acionistas teve o efetivo conhecimento dos fatos”.
Assim, aplicou-se a teoria da actio nata subjetiva, segundo a qual o prazo prescricional começa a correr quando o lesado obtém conhecimento inequívoco do dano e de sua autoria, reforçando que, apesar da regra geral estabelecida pela Lei das S.A., o prazo de prescrição pode ser ajustado em função das circunstâncias do caso concreto, especialmente quando há práticas ilícitas que impedem a imediata identificação dos danos pelos acionistas.
3. Irreversibilidade de liquidação de sociedade e alocação de haveres posteriores
Em decisão publicada em 21 de janeiro de 2025 na Apelação Cível nº 1006189-49.2021.8.26.0322, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP reafirmou a irreversibilidade da extinção da personalidade jurídica após a conclusão do procedimento de liquidação. No caso, sócios e herdeiros de sócios de sociedade já dissolvida buscaram promover sua reativação para viabilizar o recebimento de créditos remanescentes, mas tiveram seu pleito rejeitado pelo tribunal.
Os apelantes argumentaram que, embora a empresa tenha sido formalmente extinta, ainda havia ativos a serem recebidos, incluindo valores depositados judicialmente, o que justificaria a retomada da liquidação com a nomeação de um liquidante provisório. Alegaram, ainda, que tais ativos pertenciam à sociedade e não poderiam ser simplesmente transferidos aos sócios ou herdeiros sem a observância do procedimento legal adequado.
O TJSP, no entanto, manteve a sentença que extinguiu a ação, destacando que a sociedade foi devidamente liquidada pelos sócios e sua personalidade jurídica foi extinta nos termos da lei. A decisão ressaltou que, caso restassem bens ou direitos não contemplados na liquidação, caberia aos sócios e herdeiros dispor sobre eles por meio de um ato complementar – de forma extrajudicial ou em jurisdição voluntária =, assemelhado a uma sobrepartilha, nos termos do artigo 2.022 do Código Civil. Assim, não seria cabível a reabertura do processo de liquidação para uma sociedade já encerrada.
Essa decisão reforça a necessidade de um levantamento completo e preciso de ativos e passivos no curso da liquidação de uma sociedade – incluindo a análise de processos e de créditos potenciais –, garantindo que todos os bens sejam corretamente destinados e evitando a necessidade de procedimentos adicionais no futuro.
A falta de um encerramento adequado pode resultar em disputas e custos desnecessários mais à frente, tornando fundamental que as partes envolvidas no processo de liquidação adotem uma abordagem diligente e criteriosa a fim de endereçar todas e quaisquer pendências antes da extinção definitiva da sociedade.
4. Novas regras sobre nomes empresariais
Foi publicada em 08 de janeiro de 2025 pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) sua Instrução Normativa 1 do corrente ano, que traz novas regras sobre os critérios de análise para verificação de identidade e semelhança de nomes empresariais.
Em substituição aos artigos 18 a 26 da anterior Instrução Normativa 81/2020, ela define as normas de formação de firmas e denominações e, visando afastar casos de confusão mercadológica e concorrência desleal, traz parâmetros de análise de identidade ou semelhança para evitar colidências dentro do Estado aplicável, inclusive por similaridade de escrita e som.
Neste contexto, nomes idênticos são vedados e não serão permitidos nomes que, sendo bastante semelhantes, possam causar confusão ao público, considerando sua grafia, pronúncia e significado.
No caso de conflitos detectados, a IN traz as regras que nortearão o procedimento de contestação e decisão administrativa, inclusive nos casos de transferência de sede de sociedade entre Estados e no caso de abertura de filiais em novos Estados.
Ao se promover a constituição de sociedade ou qualquer alteração societária que possa implicar um conflito daquela natureza, é recomendável que se proceda às verificações necessárias perante a Junta Comercial aplicável com base na nova IN, evitando-se discussões que podem atrasar ou inviabilizar o registro. Destaque-se que essa verificação não substitui aquela relacionada a marcas, que deve ser conduzida perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI.
5. Grupamento de ações e os requisitos de sua regularidade
No julgamento da Apelação Cível nº 0019092-52.2012.8.26.0451 por meio da decisão publicada em 14 de janeiro 2025, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP confirmou a validade de grupamento de ações realizado por companhia aberta, desde que devidamente fundamentado e formalizado perante a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). No caso, acionistas minoritários contestaram a redução da quantidade de ações de sua titularidade, alegando prejuízo decorrente da operação promovida pela companhia investida, mas tiveram seu recurso negado pelo tribunal.
Os apelantes sustentaram que a diminuição da quantidade de ações de sua propriedade foi realizada sem adequada transparência e em prejuízo de sua participação acionária, tendo sido impossibilitados de exercer seus direitos de forma proporcional. Alegaram ainda que o resultado da perícia judicial foi inconclusivo devido à ausência de documentos que deveriam ter sido apresentados pela companhia investida e que, diante disso, suas próprias contas deveriam ser aceitas como corretas.
O TJSP, no entanto, entendeu que o grupamento de ações estava devidamente amparado em normativos da CVM e que a operação seguiu as formalidades legais, sem caracterizar afronta à Lei nº 6.404/76. A decisão também ressaltou que não foi demonstrado prejuízo concreto aos acionistas recorrentes, pois a redução da quantidade de ações se deu sem alteração do valor econômico proporcional da participação dos investidores.
Essa decisão reforça que a implementação de grupamentos de ações, amparados por justificativa econômica legítima – como a redução de custos operacionais ou a adequação da estrutura acionária –, seguindo os procedimentos aplicáveis e não acarretando prejuízos aos acionistas, não devem ser considerados como mecanismo irregular para restringir a participação de minoritários.
É fundamental que tais operações sejam conduzidas com total transparência, observando a proporcionalidade entre os acionistas e respeitando os limites impostos pela legislação societária, a fim de evitar potenciais questionamentos sobre abuso de poder e violação dos direitos dos investidores.