COP 30: O papel do setor privado

COP30 evidencia protagonismo do capital privado e novos mecanismos de financiamento climático, enquanto gargalos estruturais ainda travam a transição ecológica no Brasil.

Redigido por Flávia Marcílio

Durante minha estadia em Belém, acompanhando de perto a efervescência da COP30 em meio a reclamações sobre infraestrutura e problemas de segurança, um ponto se destacou em meio às discussões na Zona Azul e seus tradicionais entraves políticos: as iniciativas de financiamento climático e soluções baseadas na natureza nos espaços fora da bolha oficial.

Enquanto a Zona Azul entra em sua semana decisiva, marcada por negociações complexas e pelo clamor por maior inclusão de outras pautas relevantes, o governo brasileiro, bancos de fomento e setor privado mostraram caminhos para viabilizar a transição ecológica. Um dos termos mais ouvidos nos eventos é que o capital privado deverá financiar 75% da transição ecológica, sendo que 25% desses recursos virá dos órgãos oficiais, que reflete esse conceito, qual seja, os governos catalisam e o capital privado operacionaliza grande parte da transição.

Diferentes das negociações climáticas do passado, a COP30 deixou evidente o protagonismo crescente do capital privado no esforço climático global, o que convencionou-se chamar de “blended finance”. Estima-se que 65%¹ dos recursos globais destinados a financiamento climático já venham de investidores ou doadores privados (fundos de investimento, bancos, empresas, filantropos), e essa participação tende a crescer.

Entre esses lançamentos destacamos:

  • TFFF – Tropical Forests Forever Fund: proposta brasileira para remunerar países pela conservação de florestas tropicais, sua proposta inovadora – pagamento por desempenho ambiental em nível nacional – pode estabelecer um novo paradigma de financiamento climático se for bem-sucedida. Meta de US$ 125 bilhões, com aportes já anunciados por Noruega, França, Indonésia e Brasil, terá o Banco Mundial como administrador. Essa é uma das grandes apostas do Brasil, cujo plano e bastante arrojado, prevendo captação, implementação e algum pagamento pela manutenção de florestas já em 2028.
  • Eco Invest Brasil: programa nacional lançado em 2024 que mobilizou mais de R$ 75 bilhões em investimentos sustentáveis em apenas um ano. Utiliza leilões competitivos entre bancos para alavancar capital privado (blended finance) em projetos de bioeconomia, energia limpa e agricultura regenerativa. Lançado em outubro de 2025, 3º leilão do Eco Invest, introduziu mecanismo inédito de hedge cambial para investidores estrangeiros. O Monitor Eco Invest Brasil, também lançado na COP30, dá transparência aos projetos financiados.
  • Planaveg e restauração florestal: o BNDES firmou parcerias com empresas como Re.green, BTG Pactual, Pátria Investimentos, Tree+ e Flona Irati Florestal para recuperar mais de 86 mil hectares em projetos já contratados. Essas ações fazem parte da meta nacional de restaurar 12 milhões de hectares até 2030, prevista no Planaveg. Além disso, o segundo leilão do Eco Invest Brasil mobilizou R$ 30 bilhões para recuperar 1,4 milhão de hectares em todos os biomas.
  • Fundo Clima: administrado pelo MMA e administrado pelo BNDES foi reforçado com R$ 2,67 bilhões em parceria com o BID, com foco em ampliar o acesso de PMEs e municípios a crédito verde.
  • Parcerias internacionais com o BNDES: R$ 7,89 bilhões captados junto a bancos europeus para financiar infraestrutura verde e energias renováveis.

Esses dois últimos mecanismos somam R$ 10 bilhões em recursos voltados à implementação de medidas climáticas urgentes — especialmente aquelas que exigem capilaridade, como o financiamento de pequenas e médias empresas e municípios, além da infraestrutura verde em larga escala.

Mas quais os gargalos que ainda travam a aplicação efetiva desses recursos?

Apesar da mobilização financeira, persistem entraves estruturais que dificultam o acesso e a execução por parte de entes subnacionais e privados:

  • Exigência de garantias complexas: muitos municípios e PMEs não conseguem atender aos critérios exigidos pelos financiadores, o que limita sua capacidade de captar recursos.
  • Falta de estrutura técnica local: a ausência de equipes capacitadas para elaborar projetos e cumprir requisitos técnicos e ambientais impede a submissão de propostas competitivas.
  • Processos de auditoria e prestação de contas: embora essenciais para garantir transparência, os mecanismos de controle ainda são pouco adaptados à realidade dos pequenos atores, gerando morosidade e insegurança.
  • Baixa articulação institucional: a fragmentação entre esferas de governo e a falta de integração entre políticas públicas dificultam a implementação coordenada dos projetos.

Fora das amarras geopolíticas e procedimentais, o setor privado aproveitou o espaço aberto para novos negócios e soluções climáticas. Destaco:

  • Projetos de descarbonização de indústrias complexas.
  • Expansão de mecanismos de agricultura regenerativa.
  • Criação da Ecora, certificadora brasileira voltada à rastreabilidade de projetos de carbono.
  • Discussões sobre comércio internacional de créditos de carbono.

Embora o objetivo central da COP seja promover o debate sobre questões climáticas entre as 197 partes signatárias da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas — cada qual com realidades políticas, geopolíticas, econômicas, sociais e culturais distintas e, muitas vezes, divergentes —, o ambiente dessas conferências se revela fértil para a discussão de mecanismos e soluções climáticas que não dependem diretamente de consensos políticos. Esses movimentos são fundamentais para manter a pauta climática ativa e relevante, não apenas durante a COP, mas também no intervalo entre as conferências, consolidando o tema como contemporâneo, abrangente, apartidário e, sobretudo, urgente.


[1] Climate Policy Initative | Global Landscape of Climate Finance 2024

Flávia Marcilio e José Davi Fidalgo

Flávia Marcilio atua há mais de 30 anos com Direito Ambiental, Sustentabilidade e Emergência Ambiental, com consultivo e judicial para todos os setores, com ênfase em projetos de Agronegócio, Investimentos Florestais, Mineração e Negócios Imobiliários.

José Davi Fidalgo tem experiência com Direito Ambiental e Imobiliário, atendendo indústrias, instituições financeiras e o agronegócio na obtenção de licenças, na estruturação de fundos imobiliários e em operações no Mercado de Carbono.

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