Exclusão do IBS/CBS da base de impostos antigos seria prima da tese do século?

Com a implementação do IBS e da CBS se aproximando com os prazos da reforma tributária, surge o debate sobre sua inclusão na base de cálculo de ICMS, ISS e IPI; leia no blog

Post redigido por Felipe Omori e Matheus Barreto

Neste post do blog Processo Tributário você vai ler sobre:

  • A inclusão do IBS/CBS na base de cálculo do ICMS, ISS e IPI
  • Alterações e incertezas legislativas e políticas
  • Judicialização da matéria

Como citamos no nosso último artigo do blog, a Reforma Tributária, embora tenha o objetivo de trazer um sistema simples e eficiente, vem sendo objeto de diversas incertezas. O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) ainda nem começaram a ser devidos, mas já há dúvidas a respeito do efeito financeiro que os novos tributos causarão nos impostos hoje vigentes.

Esse é mais um texto escrito em conjunto com Matheus Barreto, que vocês já viram por aqui em outros posts.

Ele é um segundo artigo da Série de Teses Judiciais da Reforma Tributária e vai tratar da exclusão ou inclusão do IBS/CBS na base de cálculo dos impostos hoje em vigor no sistema tributário (ICMS, ISS e IPI).

Histórico legislativo e incertezas

Como citamos em textos anteriores, a Reforma Tributária começou a ser inserida no sistema tributário brasileiro por meio da Emenda Constitucional nº 132/2023 (EC 132/23). Ela incluiu e alterou dispositivos da Constituição Federal para tratar da competência dos Entes para instituição do IBS e da CBS, além de tratar da extinção/redução gradual do ICMS, ISS, IPI, PIS e COFINS.

A cobrança da CBS começa em 2026, com alíquota de teste de 0,9%, e passa a valer integralmente em 2027, substituindo PIS e Cofins. Já o IBS também começa a incidir em 2026 com alíquota simbólica de 0,1%, e será implementado gradualmente até 2032, substituindo ICMS e ISS. Ou seja, até 2033 haverá cobrança simultânea tanto dos novos tributos quanto dos antigos (ICMS, ISS e IPI até 2032; e PIS/COFINS durante 2026).

Quando ainda tramitava no Congresso Nacional, o texto da então Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 45/2019, convertida na EC 132/2023, previa que o IBS e a CBS não seriam incluídos nas bases de cálculo do ICMS e do ISS.

Entretanto, esta previsão foi retirada do texto da Emenda que foi sancionado; o que levou muitos contribuintes a questionar se houve uma intenção do legislador de incluir o IBS e a CBS na base de cálculo dos tributos mencionados, o que poderia ocasionar um aumento substancial da carga tributária.

Nesse contexto, em 06/02/2025, foi apresentado o Projeto de Lei Complementar nº 16/2025 (PLP 16/2025), cuja redação determina expressamente a exclusão do IBS e CBS das bases de cálculo do ICMS, ISS e IPI.

O Projeto, no entanto, ainda não foi votado pelo Congresso Nacional, e a dois meses do início do período de incidência das alíquotas testes dos novos tributos, ainda há incertezas sobre a inclusão dos tributos na base de cálculo dos antigos.

Expectativas dos contribuintes e posição do fisco

Diante da comoção causada pelas dúvidas acerca da inclusão do IBS/CBS na base de cálculo dos tributos “antigos, entidades representativas de setores da economia e players relevantes começaram a buscar segurança por meio de consultas, ainda que informais, a outros contribuintes e representantes do poder público.

Considerando o histórico posicionamento arrecadatório do Fisco brasileiro, a expectativa é que os entes respectivos autuem os contribuintes que não incluírem os novos tributos na base de cálculo dos antigos.

Neste sentido, ao longo do ano, autoridades posicionaram-se pela inclusão do IBS/CBS na base de cálculo dos tributos antigos. Foi o caso de representantes do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (COMSEFAZ)1 e da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP)2, sob argumento de que a não inclusão dos novos tributos implicaria perdas significativas na arrecadação destes entes.

A preocupação ganhou ainda mais notoriedade recentemente, quando o Secretário Extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, afirmou em entrevista que o IBS e a CBS deverão compor a base de cálculo do ICMS e do ISS ao longo do período de transição, o que seria justificável para atender o Princípio de Neutralidade Fiscal, pilar da reforma tributária.

Ou seja, segundo o Secretário, a inclusão dos novos tributos na base de cálculo dos antigos seria necessária para evitar uma redução arrecadatória decorrente da extinção do ICMS, ISS, IPI, PIS e COFINS. O argumento é de que como esses tributos hoje incidem uns sobre os outros (com exceção do PIS/COFINS sobre o ICMS e, futuramente, ISS), a extinção gradual deles acaba reduzindo o próprio valor devido, afetando a arrecadação geral.

Tese e judicialização

Considerando o cenário de extrema insegurança jurídica que se instaurou, sobretudo, com a indefinição do Congresso sobre o tema, os contribuintes se veem no risco de autuações futuras, caso não incluam os novos tributos na base dos antigos.

Apesar da explicação do Sr. Secretário mencionada acima, entendemos que a inclusão na base pode até ter algum sentido econômico, mas juridicamente pode ser questionável.

Os possíveis argumentos dessa tese seriam:

1 – Violação às bases tributáveis dos impostos antigos, uma vez que a base de cálculo do ICMS e do IPI é o valor da operação, enquanto a base do ISS é o preço do serviço. Por outro lado, o IBS/CBS são orientados pela neutralidade e são calculados por fora do preço das mercadorias e serviços e, portanto, não constituem valor da operação e nem preço; quebrando a lógica da tributação sobre o valor agregado.

Este argumento segue inclusive a linha da decisão do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da conhecida “Tese do Século”, em que a Corte reconheceu que o ICMS não deve ser incluído na base de cálculo do PIS/COFINS, levando em conta que o imposto não constitui receita dos contribuintes, e por isso não seria base de cálculo das contribuições.

O Split Payment também reforça o argumento. Apesar de só passar a ser obrigatório em 2033, durante a transição haverá testes de utilização do split payment, que fará a segregação automática dos tributos no momento da liquidação financeira da operação; de modo que os novos tributos sequer irão transitar pelas contas das empresas.

2 – Violação à Neutralidade Tributária ao criar um efeito cascata, aumentando artificialmente o preço final, distorcendo a carga tributária e afetando decisões econômicas; além de contrariar a finalidade da reforma, que é reduzir complexidade e as distorções tributárias.

3 – Violação ao princípio da segurança jurídica, que assegura aos contribuintes a estabilidade das relações jurídicas e a proteção de direitos adquiridos. Como visto, a alteração da base de cálculo se mostra descabida e vai inclusive de encontro a entendimento do STF em situação semelhante, de modo que viola essa segurança.

4  – Se a lógica da inclusão na base é econômica, isso deve ser resolvido pelos demais mecanismos de compensação ou ajustes de distribuição da receita de arrecadação previstas pela Reforma e não por uma artificial majoração dos tributos antigos.

Assim, embora ainda haja possibilidade de alterações legislativas, o cenário de incerteza e a expectativa arrecadatória do governo brasileiro apontam para uma potencial variante da “tese do século”, provando que nem para simplificar o Brasil consegue ser simples.


  1. SINDIFISCO | Reforma tributária: governos devem incluir IBS e CBS no ICMS, ISS e IPI ↩︎
  2. JOTA | Reforma tributária: governos devem incluir IBS e CBS no ICMS, ISS e IPI ↩︎

Felipe Omori

Felipe Omori é advogado em São Paulo, doutorando e mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP, além de especialista pelo IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários). É sócio da área Tributária do KLA, responsável pelo Contencioso Judicial, e professor em cursos de pós-graduação no IBET e no IBDT (Instituto Brasileiro de Direito Tributário). É autor do livro “Tributação e A Forma do Negócio Jurídico: Uma Proposta para Os Limites da Tributação“ (Ed. Dialética).

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