MP PODE REQUERER QUE PROVEDORES DE APLICAÇÕES DE INTERNET MANTENHAM A GUARDA DE DADOS E CONTEÚDOS ELETRÔNICOS POR PRAZO SUPERIOR AO PREVISTO EM LEI, SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, DECIDE STJ
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) decidiu que o Ministério Público pode requerer que provedores de aplicações de internet mantenham a guarda de dados e conteúdos eletrônicos por prazo superior ao previsto na Lei nº 12.965/2014 (“Marco Civil da Internet”), sem prévia autorização judicial. No caso concreto, uma pessoa foi denunciada por inúmeros crimes, como organização criminosa, falsidade ideológica, abuso de poder econômico e crimes licitatórios.
Durante a investigação e para embasar a denúncia, o Ministério Público, sem prévia decisão judicial, requereu a empresas provedoras de aplicações de internet a identificação das contas de e-mail utilizadas pela ré e a preservação do IMEI (International Mobile Equipment Identity) e de dados coletados desde 2017, como dados cadastrais, histórico de pesquisa, o conteúdo de e-mails e Imessages, fotos, contatos e histórico de localização. Uma semana depois, o Ministério Público requereu a quebra de dados telemáticos da ré, o que foi deferido pelo juiz de primeira instância.
Inconformada, a defesa impetrou Habeas Corpus perante o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (“TJPR”), o qual foi denegado. Diante disso, impetrou-se um novo Habeas Corpus perante o STJ. Na ocasião, a defesa da ré afirmou serem nulas as provas por terem sido obtidas em detrimento dos direitos à intimidade e privacidade, constitucionalmente reconhecidos, após o pedido de preservação pelo Ministério Público, sem prévia decisão judicial.
Em seu voto, o Relator, Desembargador Federal Convocado Olindo Menezes, sustentou que o Marco Civil impõe o dever de provedores de aplicações de internet manter a guarda e o sigilo de registros de conexão e de acesso por prazos que variam de 06 meses a 01 ano. A despeito disso, o Marco Civil da Internet também prevê que a autoridade policial, administrativa ou o Ministério Público poderão requerer cautelarmente que os provedores mantenham os registros por prazo superior ao estabelecido, sob a condição de ingressar com o pedido de autorização judicial para o acesso aos mencionados registros no prazo de 60 dias, o que foi cumprido pelo Ministério Público no caso concreto.
Ademais, o Relator argumentou que o pedido de “congelamento” ou manutenção da guarda dos dados requisitada pelo Ministério Público não equivale ao acesso aos dados, o que isso sim depende de prévia autorização judicial, obtida pelo Ministério Público no caso concreto. Portanto, não se poderia defender a nulidade da obtenção das provas pelo Ministério Público.
Por fim, a decisão estabelece um precedente ainda não estabelecido pelos tribunais superiores. No entanto, resta discutir se, assim como foi afirmado pelo STJ, dados cadastrais, histórico de pesquisa, o conteúdo de e-mails e Imessages, fotos, contatos e histórico de localização podem ser considerados, de fato, como “registros de acesso a aplicações de internet” ou “registros de conexão”.
O BLOQUEIO DE ATIVOS FINANCEIROS DE EMPRESAS SOMENTE PODE SER REALIZADO QUANDO VERIFICADA A EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS VEEMENTES DE SUA UTILIZAÇÃO EM PRÁTICAS CRIMINOSAS, DECIDE STJ
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) decidiu que, para o bloqueio de ativos financeiros de sociedades empresárias, é imprescindível a existência de indícios veementes de que a pessoa jurídica tenha sido utilizada na conduta criminosa. No caso concreto, o sócio de uma determinada empresa estava sendo processado por crimes de corrupção passiva e integração de organização criminosa que teriam resultado em prejuízo para a Fazenda Pública.
Antes do início do processo, o Ministério Público Federal (“MPF”) requereu o bloqueio de ativos financeiros da empresa em que o denunciado figura como sócio, com base no artigo 4º do Decreto-Lei nº 3.240/1941, que admite a possibilidade de o bloqueio de ativos recair sobre bens em poder de terceiros, desde que adquiridos dolosamente, ou com culpa grave. Ainda, a medida de bloqueio também foi fundamentada com base no artigo 4º da Lei nº 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro), segundo o qual medidas assecuratórias de bens (como o bloqueio de ativos financeiros) existentes em nome de interpostas pessoas que sejam instrumento, que tenha sido instrumento, produto ou proveito do crime de lavagem de dinheiro ou dos crimes antecedentes.
Uma vez efetivado o bloqueio dos ativos financeiros, a defesa da empresa impetrou Mandado de Segurança perante o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (“TRF-2”), ocasião em que alegou que a empresa precisava arcar com o pagamento de fornecedores e de tributos, que a origem dos valores era lícita, que o bloqueio não poderia resultar na inviabilidade de suas atividades e que não possui qualquer vinculação com qualquer crime eventualmente praticado por seu sócio.
Após a denegação da ordem pelo TRF-2, a defesa da empresa interpôs Recurso Ordinário Constitucional em Mandado de Segurança perante o STJ. Em seu voto, o Ministro-Relator, Rogério Schietti Cruz, votou pelo não provimento do recurso, uma vez que o bloqueio estava de acordo com a lei e que a necessidade de pagar fornecedores e tributos ou o risco de falência não exclui a responsabilidade de reparar o dano causado pelo sócio da empresa. O Ministro Schietti foi seguido pelo Ministro Antonio Saldanha Palheiro.
A despeito disso, o Desembargador Federal Convocado Olindo Menezes abriu divergência e se manifestou favorável ao desbloqueio dos ativos financeiros. Em seu voto, foi argumentado que não ficou claro pela investigação nem pela denúncia como a empresa foi utilizada pela organização criminosa, tampouco se obteve alguma vantagem ilícita.
Outrossim, o Desembargador Federal Convocado sustentou que não se apontou a necessidade e a adequação do bloqueio financeiro da empresa recorrente, nem a sua relação com os supostos fatos criminosos. Destacou, ainda, que, de acordo com o Decreto-Lei 3240/1941, “são necessários, portanto, indícios veementes de que os bens sequestrados sejam produtos do crime, ou, sendo bens em poder de terceiros, que tenham sido adquiridos dolosamente, ou com culpa grave”. Do mesmo modo, o Desembargador pontuou que o STJ possui precedentes segundo os quais “para o bloqueio de ativos financeiros de sociedades empresárias é necessário a existência de indícios veementes de que ela tenha sido usada na conduta criminosa”, o que não era o caso da empresa recorrente. O Desembargador foi acompanhado pelos Ministros Sebastião Reis Junior e Laurita Vaz, formando maioria para a liberação dos ativos.
A decisão do STJ é de extrema importância, uma vez que reforça a imposição de limites para bloqueio de bens de proveniência lícita e salienta que é necessário que se comprove a utilização da empresa na prática dos crimes ou que tais bens tenham sido obtidos com o conhecimento de sua origem ou mediante a violação grave do dever de cuidado na operação.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NÃO PODE SOLICITAR DADOS FISCAIS SIGILOSOS À RECEITA FEDERAL SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, DECIDE STJ
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) decidiu que o Ministério Público Federal (“MPF”) não pode solicitar dados fiscais sigilosos diretamente à Receita Federal do Brasil (“RFB”), sem prévia autorização judicial, na apuração de crimes. No caso concreto, duas pessoas foram denunciadas pelos crimes de estelionato, falsidade ideológica e uso de documento falso. Para embasar a denúncia, o MPF solicitou, diretamente à RFB, as declarações de imposto de renda dos acusados, de seus familiares e de diversas pessoas jurídicas, sem qualquer autorização judicial prévia.
Inconformadas, as defesas dos acusados impetraram Habeas Corpus perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (“TRF-3”), que foram denegados. Diante disso, as defesas dos acusados interpuseram Recurso Ordinário Constitucional em Habeas Corpus perante o STJ.
Na ocasião, foi alegado pelas defesas que a possibilidade de o MPF requisitar diretamente à autoridade fiscal dados sigilosos “se distancia do que prescreve a Constituição Federal e deixa de observar o entendimento consolidado no nosso ordenamento jurídico, que determina que a quebra de sigilo fiscal deve ser precedida da competente autorização judicial, em observância aos direitos e garantias constitucionais da intimidade e da vida privada dos cidadãos”.
O Ministro-Relator do recurso, Sebastião Reis Júnior, argumentou que o Supremo Tribunal Federal (“STF”), no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.055.941/SP, admitiu que o compartilhamento de dados, por conta própria, pela RFB com o MPF não exigiria autorização judicial, uma vez que constituiria uma possibilidade legal admitida pelo Código Tributário Nacional, pela Lei nº 9.430/1996 e pela Lei Complementar nº 105/2001, para situação de representação fiscal para fins penais. No entanto, o julgamento do STF não teria admitido o inverso, isto é, que o MPF pudesse requisitar por conta própria e ao seu bel-prazer, sem prévia autorização judicial, informações e dados sigilosos de pessoas investigadas.
Ainda de acordo com o Relator, o STF teria se manifestado recentemente sobre o assunto em acórdão ainda não publicado (HC nº 201.965), de modo a não permitir que a Relatórios de Inteligência Financeira fossem encaminhados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (“COAF”) por requisição do MPF, sem prévia autorização judicial. Isso seria uma situação análoga à requisição para a RFB.
Dessa forma, o Ministro-Relator entendeu como ilícitos os dados obtidos pelo MPF e determinou sua remoção dos autos, sem prejuízo de que o juiz de primeira instância verifique se a Ação Penal ainda possui fundamentos sem esses dados. Por mais que tenha havido a discordância por três ministros, o entendimento do Ministro-Relator foi acompanhado por outros cinco ministros.
Por fim, a decisão do STJ unifica um entendimento que deverá ser seguido pelos demais tribunais brasileiros. Quanto ao mérito, a decisão do STJ é acertada, pois impõe limites a atividade investigatória do MPF de modo a não se admitir uma verdadeira devassa de dados sigilosos obtidos por autoridades administrativas com fins diversos daqueles pretendidos pelo MPF.
2ª TURMA DO STF ANULA TRÂNSITO EM JULGADO DE CONDENAÇÃO QUE IMPEDIU RÉU DE CELEBRAR ANPP
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (“STF”) anulou o trânsito em julgado de uma condenação que impediu a celebração de acordo de não persecução penal (“ANPP”) do réu com o Ministério Público Federal (“MPF”). No caso concreto, no início de 2020, pouco tempo após o início da vigência da Lei nº 13.964/2019 (Lei Anticrime), uma pessoa foi condenada a uma pena privativa de liberdade de 01 ano e 02 meses, substituída por penas restritivas de direitos, pelo crime de falso testemunho.
Em fevereiro de 2020, após a condenação, mas antes do trânsito em julgado da sentença, a defesa do réu solicitou a celebração do ANPP, enquanto instituto despenalizador previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal. No entanto, a solicitação foi negada pelo Procurador da República responsável pelo caso, em maio de 2020. Em sequência, ainda em maio de 2020, a defesa do réu requereu a revisão da recusa da celebração do ANPP pela Câmara de Coordenação e Revisão do MPF (“CCR-MPF”), nos termos do parágrafo 14º, do mencionado artigo 28-A.
A despeito disso, a CCR-MPF somente veio a se manifestar favoravelmente à solicitação de celebração do ANPP em junho de 2020, quando já havia se verificado o trânsito em julgado da sentença condenatória. Curiosamente, em sua manifestação, a CCR-MPF condicionou a celebração do ANPP à não verificação do trânsito em julgado da sentença, o que conduziu a uma nova negativa de celebração do ANPP pelo Procurador da República responsável pelo caso.
Diante da situação, a defesa do réu impetrou Habeas Corpus perante o STF, no qual se requereu a concessão da oportunidade ao réu de celebrar o ANPP. Em seu voto, o Ministro Relator, Gilmar Mendes, salientou que a decisão da CCR-MPF não se materializou em razão da demora na análise. Ademais, afirmou que se “houvesse o Procurador, junto ao Juiz, oferecido o ANPP quando solicitado pelo [réu] […], não haveria ocorrido o trânsito em julgado”. Ainda, foi pontuado que “não se pode aceitar que a demora inerente a todo procedimento de revisão resulte na sua total inutilidade”.
Dessa forma, decidiu-se que o processo deverá retornar para o Procurador da República responsável pelo caso para que analise a presença dos demais requisitos legais para a celebração do ANPP. A decisão do Relator foi acompanhada pelos demais ministros da Segunda Turma.
A decisão abre importante precedente para a possibilidade de celebração do ANPP para casos já transitados em julgado. No entanto, resta saber se os demais tribunais brasileiros passarão a adotar tal posicionamento, sobretudo o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), que consolidou entendimento segundo o qual o ANPP somente poderá ser celebrado até o recebimento da denúncia.
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Filipe Magliarelli