Tributário

Mandados de Segurança: o que observar em prazos administrativos e obrigações tributárias

A legislação prevê mecanismos de proteção do contribuinte, com prazos que devem ser observados; uma forma de se operacionalizar isso é pelo Mandado de Segurança, leia no blog Processo Tributário

Neste post do blog Processo Tributário, do sócio de Direito Tributário Felipe Omori, você vai encontrar:

  1. Mandados de Segurança para observância de prazos administrativos
  2. O Mandado de Segurança – remédio constitucional
  3. Violação dos prazos administrativos

Mandados de Segurança para observância de prazos administrativos

Nem só de teses de recuperação de crédito vive o Direito Tributário.

Uma grande parcela dessa área do Direito está relacionada a aspectos burocráticos e procedimentais no cotidiano do relacionamento entre contribuintes e a Receita Federal.

A estrutura fiscal no Brasil é gigantesca. Basta considerar que cada município, cada Estado e a União possuem suas próprias estruturas de fiscalização, cobrança, gerenciamento, consultoria, dentre outras.

Para cada uma delas há um emaranhado de leis, decretos, portarias, regulamentos, instruções normativas e provimentos diversos que regulam não só os próprios tributos, mas a vida dentro das repartições.

Desde leis que regulamentam o processo administrativo fiscal até normas que definem as competências dos auditores e autoridades, a vida de um advogado tributarista também envolve conhecer esse labirinto para obter o efetivo direito do cliente.

De nada adianta ter a razão em uma discussão e não apresentar a defesa ao órgão certo e na forma exigida pela legislação.

Mas em algumas situações o jogo vira.

Em algumas (raras) ocasiões a legislação prevê mecanismos de proteção do contribuinte, em relação aos prazos nos quais os seus pleitos devem ser observados. Isso nem sempre é uma garantia de que as coisas andarão no devido passo, sendo famosa a lentidão do Estado.

No âmbito tributário, porém, vem se consolidado o entendimento de que os prazos estabelecidos em legislação para a resposta da Autoridade Administrativa devem ser observados.

E a forma de operacionalizar isso, muitas vezes, é pelo Mandado de Segurança.

O Mandado de Segurança – remédio constitucional

No nosso post sobre ações judiciais falamos um pouco sobre a natureza do mandado de segurança e o seu cabimento.

Ele é comumente chamado – no mundo do Direito – de remédio constitucional.

A ideia por trás disso é que ele é uma ferramenta a serviço do cidadão para fazer cessar ou evitar a prática de um ato ilegal ou abusivo por parte do Estado.

Alguns reflexos disso são: um rito mais célere, com a famosa liminar, que pode ser concedida logo no início do processo; e a não aplicação de condenação em sucumbência no caso de decisão desfavorável (já que isso poderia inibir o acesso ao Judiciário para se buscar a reparação contra o ato ilegal).

Esse ato ilegal é chamado de ato coator e precisa ser comprovável documentalmente, de plano, para demonstrar a violação do chamado direito líquido e certo do contribuinte.

Se esse direito não pode ser comprovado logo de início (i.e. se é preciso realizar produção de provas adicionais, como perícia técnica, juntada de novos documentos etc.), entende-se que não é cabível o mandado de segurança. Ou seja, então não haveria situação tão premente de violação a ponto de se justificar a ingerência do Judiciário na esfera administrativa.

Violação dos prazos administrativos

Como falei, uma situação que tem se consolidado como um grande exemplo de cabimento de mandado de segurança é a não observância pela Autoridade Administrativa dos prazos estabelecidos pela legislação.

Na área aduaneira esse tema ganhou bastante relevância em razão dos diversos episódios de greve que o país enfrentou envolvendo auditores fiscais. Desde paralisações totais até a chamada operação padrão pegavam os contribuintes de surpresa, que não conseguiam desembaraçar suas mercadorias, paralisando e afetando as linhas de produção e o atendimento dos prazos comerciais.

Uma jurisprudência sobre isso se formou no sentido de que os contribuintes não podem ser prejudicados em razão das reivindicações da classe que entra em greve e deixa de dar o correto atendimento a um serviço essencial.

Vejamos um exemplo de julgado do Superior Tribunal de Justiça, com o raciocínio que é adotado por diversos tribunais do país:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PRETENDIDA INSPEÇÃO PARA FUTURA LIBERAÇÃO DE MERCADORIAS A SEREM EXPORTADAS. GREVE DE SERVIDORES. LIMINAR E SEGURANÇA CONCEDIDAS. DIREITO À INSPEÇÃO E LIBERAÇÃO RECONHECIDOS. ACÓRDÃO CONFIRMANDO O DECISUM. RECURSO DA FAZENDA NACIONAL ALEGANDO VIOLAÇÃO À LEI FEDERAL. NÃO CONHECIMENTO.
Não cabe ao contribuinte arcar com qualquer ônus em decorrência do exercício do direito de greve dos servidores, que, embora legítimo, não justifica a imposição de qualquer gravame ao particular.
Efetivamente era de rigor que as mercadorias, de origem vegetal, que seriam exportadas, fossem inspecionadas para posterior liberação. Recurso não conhecido.
(REsp n. 179.182/SP, relator Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, julgado em 26/3/2002, DJ de 1/7/2002, p. 276.)

Nessas situações, assim, era comum se socorrer do mandado de segurança para obter ordem judicial que determinasse que a Autoridade Aduaneira desse prosseguimento ao despacho aduaneiro, mesmo em meio à greve.

Esse é um ponto de atenção importante: a ordem judicial não buscava a liberação da mercadoria em si, mas sim que os prazos e procedimentos previstos no regulamento aduaneiro fossem observados mesmo na greve.

Muitos casos que tentaram buscar a liberação imediata das mercadorias, como se a greve dispensasse o procedimento de desembaraço, não tiveram sucesso.

Um segundo campo com discussão é o dos pedidos de ressarcimento e declarações de compensação federais.

Atualmente (e já há algumas décadas), a legislação federal está bem estruturada quanto à possibilidade de compensação e restituição de tributos pagos indevidamente ou a maior, pela via da chamada PER/DCOMP.

Nesse formulário eletrônico, o contribuinte solicita a restituição de um valor a ser pago em dinheiro ou solicita o uso desse crédito para quitar outros tributos federais.

A DCOMP (declaração de compensação) tem o prazo de cinco anos para ser analisada, passados os quais ela é considerada homologada e definitivamente aceita.

O PER (pedido de restituição), porém, não possui previsão de prazo expresso para análise e pagamento pela Receita Federal.

É comum assim que os pedidos fiquem anos aguardando análise e, quando deferidos, aguardem ainda outros tantos anos para serem pagos.

Nesse contexto, os contribuintes também se socorrem do mandado de segurança, amparados na Lei 11.457/2007, que prevê que “é obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte” (artigo 24).

Essa lei regula a administração federal de forma geral, no que se inclui a Receita Federal.

Com sucesso, assim, os contribuintes têm obtido decisões que reconhecem que esse prazo também deve ser aplicado aos pedidos de restituição, pois eles configuram uma petição apresentada pelo particular à administração federal.

Novamente, as decisões judiciais não determinam que o valor seja efetivamente pago, pois essa análise caberia à Receita Federal, mas costumam estabelecer um prazo para que o pedido seja analisado – e, em alguns casos, estabelecem prazo para que, se deferido o pedido, o valor seja pago.

No âmbito estadual, especificamente em São Paulo, também é possível encontrar discussão sobre o tema envolvendo o e-CredAc.

Esse sistema utilizado pelo Estado serve para registrar o crédito acumulado de ICMS detido por uma empresa. Após validado e certificado, o crédito pode ser utilizado para algumas finalidades, como, por exemplo, para ser vendido a terceiros ou utilizado para compensar outros débitos.

Acontece que esse procedimento demanda fiscalização e confirmação dos créditos e, mesmo após tal confirmação, pode também levar algum tempo até que o sistema seja devidamente atualizado e os créditos registrados.

Assim, também em algumas situações o mandado de segurança foi utilizado para forçar a análise desse pedido, nesse caso utilizando o artigo 33, da Lei estadual 10.177/1998, que prevê que “o prazo máximo para decisão de requerimentos de qualquer espécie apresentados à Administração será de 120 (cento e vinte) dias, se outro não for legalmente estabelecido”.

Decorrido este prazo, portanto, é possível requerer uma ordem judicial não apenas para forçar a análise, como para assegurar o direito à atualização monetária dos valores, na esteira do Tema de recursos repetitivos do STJ 1.003. A exemplo:

“REEXAME NECESSÁRIO Mandado de segurança Pretensão de correção dos valores dos créditos acumulados de ICMS declarados via e-CredAc, a contar do 121º dia da data do protocolo do pedido de apropriação Concessão da segurança Transcurso injustificado do prazo de 120 (cento e vinte) dias previsto no art. 33 da Lei Estadual 10.177/98 Violação a direito líquido e certo evidenciada Sentença mantida Precedentes Reexame necessário não provido.” (Reexame Necessário nº 1006367-58.2023.8.26.0053)

Os pontos de atenção nesse tema todo são:

  • (i) Verificar se há prazo legalmente estabelecido para uma determinação ação pela Administração;
  • (ii) Ponderar até que ponto há efetiva mora por parte dela (i.e. garantir que a demora na análise do pedido não decorra em parte da postura do contribuinte),
  • (iii) Ter o cuidado de se avaliar que, em algumas situações, o Judiciário poderá se abster de seguir a linha aqui mencionada, por entender que o tema envolveria questões de organização administrativa, sobre as quais não se poderia ter ingerência.

No geral, como visto, tomadas essas precauções, este é um campo a ser explorado no Direito Tributário, pois embora não envolva o tributo em si, ele está relacionado com importantes conhecimentos sobre o funcionamento da Administração e dos processos administrativos, bem como sobre as diversas obrigações acessórias tributárias.

Felipe Omori

Felipe Omori é advogado em São Paulo, especialista pelo IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários) e mestre pela USP em Direito Econômico, Financeiro e Tributário. É sócio da área Tributária do KLA, responsável pelo contencioso judicial, e professor no curso de especialização em Direito Tributário no IBDT (Instituto Brasileiro de Direito Tributário) e no IBET. Também é autor do livro “Tributação e A Forma do Negócio Jurídico: Uma Proposta para Os Limites da Tributação“ (Ed. Dialética).

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