Nesta newsletter de Direito Penal Empresarial você encontrará:
- Sancionada nova lei que tipifica os crimes de “bullying” e “cyberbullying”
- TRF-2 absolve três acusados por lavagem de dinheiro e organização criminosa envolvendo comercialização de pedras preciosas
- Autoridade policial pode acionar Coaf sem autorização judicial, diz Zanin
- Acesso do Ministério Público a Dados Cadastrais de Clientes Bancários no Brasil
Sancionada nova lei que tipifica os crimes de “bullying” e “cyberbullying”
No dia 15 de janeiro, o Presidente da República sancionou a Lei nº 14.811/2024, que:
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- Institui medidas de proteção à criança e ao adolescente nos ambientes educacionais e similares;
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- Implementa a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente; e
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- Criminaliza as condutas denominadas como “bullying” e “cyberbullying”, entre outras importantes alterações para a proteção de crianças e adolescentes.
Até então, práticas reiteradas de intimidação, humilhação ou discriminação não encontravam correspondência específica a um crime no Código Penal ou na legislação penal complementar. A existência dessa lacuna legislativa produzia um sentimento de impunidade e, em última análise, potencializava que condutas moralmente questionáveis, como o bullying e o cyberbullying, fossem reiteradas pela percepção de ausência de repressão estatal.
Com o advento da nova lei, foram incluídos no Código Penal o artigo 146-A, referente:
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- ao crime de intimidação sistemática, ou “bullying”, se a conduta não constituir crime mais grave (“Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais”);
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- e seu parágrafo único, referente à modalidade virtual, ou “cyberbullying”, com pena de reclusão de 2 a 4 anos e multa, se a conduta não constituir crime mais grave (“Se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real”).
Além disso, a Lei também introduziu significativas mudanças na abordagem de crimes praticados contra crianças e adolescentes, bem como aqueles perpetrados por meio da internet. Destacam-se, entre essas alterações, a inclusão na Lei de Crimes Hediondos de condutas como induzimento, instigação e auxílio ao suicídio ou automutilação por meio de redes sociais e internet, a prática de sequestro e cárcere privado contra menores de 18 anos e tráfico de crianças e adolescentes (artigo 1º, inciso X, XI e XII, da Lei 8.072/90). Essas medidas visam aprimorar a proteção das vítimas e estabelece uma resposta legal mais severa para crimes que atentam contra a integridade física e psicológica dos mais jovens.
A promulgação da Lei torna evidente o comprometimento do Estado em fortalecer a proteção de crianças e adolescentes, assim como a repressão às práticas de bullying e cyberbullying, e representa um marco na criminalização desses comportamentos.
TRF-2 absolve três acusados por lavagem de dinheiro e organização criminosa envolvendo comercialização de pedras preciosas
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) absolveu uma empresária anteriormente condenada a 58 anos de prisão por lavagem de dinheiro e participação em uma organização criminosa, assim como outras duas pessoas, em desdobramento de um processo da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro.
A empresa em questão estava sob investigação por exportar pedras preciosas para países como Índia e China, declarando valores abaixo do praticado no mercado. Este procedimento visava possibilitar o pagamento informal da diferença entre o valor declarado e o real, direcionando esses fundos para contas mantidas em uma empresa offshore. Conforme detalhado no processo, estima-se que o esquema tenha movimentado US$ 44 milhões em pedras preciosas extraídas ilegalmente da cidade de Campo Formoso, no interior da Bahia.
Após a condenação em primeira instância, as defesas apresentaram apelação ao TRF-2 em que argumentaram, em caráter preliminar, violação ao princípio da identidade física do juiz e quebra da cadeia de custódia, além da insuficiência de provas capazes de sustentar a condenação.
Embora o TRF-2 tenha rejeitado as preliminares da defesa no julgamento do recurso de apelação, os desembargadores acataram os recursos, o que resultou na absolvição da empresária inicialmente condenada a 58 anos de reclusão, em razão da ausência de evidências suficientes que comprovassem sua participação no esquema de lavagem de dinheiro ou integração à organização criminosa.
Além disso, foram absolvidas duas pessoas que desempenharam papéis de intérpretes nas negociações entre garimpeiros e empresários estrangeiros indicados pela empresa envolvida no esquema.
Autoridade policial pode acionar Coaf sem autorização judicial, diz Zanin
O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), reiterou a posição da Corte no que diz respeito à possibilidade de compartilhamento de dados entre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e os órgãos para fins criminais, e salientou que tal prática não requer prévia autorização judicial.
No caso concreto, Zanin revogou uma decisão proferida pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, a qual havia considerado improcedente uma Reclamação Constitucional apresentada pelo Ministério Público do Pará sob o fundamento de que a Autoridade Policial não teria a prerrogativa de dispensar autorização judicial para solicitar informações sobre a movimentação financeira de investigados diretamente ao COAF.
No caso em questão, a Autoridade Policial instaurou um Inquérito Policial a pedido do Ministério Público do Pará para apuração do crime de lavagem de dinheiro supostamente cometido pelos sócios de uma empresa de bebidas, cujo prejuízo apurado ao erário era de R$ 600 milhões.
Ao acolher o pedido do Ministério Público do Pará, o ministro Zanin destacou que o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 990, no sentido de validar o compartilhamento de relatórios do COAF sem necessidade de prévia autorização judicial, emitidos espontaneamente ou por requisição dos órgãos para fins criminais, como Ministério Público ou Autoridade Policial, representa um precedente vinculante que deve ser obrigatoriamente seguido pelos órgãos do Poder Judiciário.
Desse modo, ao cassar a decisão do STJ, o Ministro Zanin determinou que outra posição seja adotada pelo STJ no caso concreto em observância ao entendimento do STF sobre a matéria.
Acesso do Ministério Público a Dados Cadastrais de Clientes Bancários no Brasil
A ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), defendeu a legalidade do Ministério Público acessar dados cadastrais de clientes de instituições financeiras sem autorização judicial. Em julgamento na Corte Especial, a ministra destacou que tais informações, como número de conta corrente, nome completo, RG, CPF, telefone e endereço, possuem proteção menos rigorosa em comparação aos dados bancários, como extratos da conta corrente. O pedido de acesso foi concedido nas instâncias ordinárias em uma ação civil pública do Ministério Público de Goiás.
A ministra ressaltou, ainda, que as legislações sobre crimes de lavagem de dinheiro e organizações criminosas (Lei 9.613/1998 e Lei 12.850/2013, respectivamente) preveem expressamente o tratamento de dados cadastrais, e atribuem ao Ministério Público a competência para encarregar-se dessas informações. No entanto, enfatizou-se a necessidade de um procedimento investigatório em curso e o respeito a propósitos legítimos, específicos e explícitos, para evitar o uso inadequado das informações.
O julgamento, iniciado em 2012, foi interrompido por pedido de vista do ministro Raul Araújo. A Corte Especial retomou a análise em maio deste ano, considerando também o direito à proteção de dados pessoais garantido pela Emenda Constitucional 115/2022 e regulamentado pela Lei Geral de Proteção de Dados. O caso continua em discussão, com divergências sobre os limites da requisição de informações pelo MP e autoridades brasileiras às instituições financeiras.